sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

A CRISE DE NATAL

 


A CRISE DE NATAL

Era a semana antes do Natal. O primeiro a perceber foi um dos duendes do setor de pesquisa. Ele saiu da sala, carregando um notebook, um monte de papel impresso e gritando:



– Reunião!!! Todo mundo para a sala de reunião!!!!

Não era fora do comum àquela confusão na fábrica do Papai Noel, ainda mais na reta final. Por onde se olhasse, duendes carregavam materiais, brinquedos que não passavam no teste de qualidade, cartas que chegaram atrasadas, ração extra para as renas, e outras urgências para o grande dia.

Mas essa correria era diferente. O duende da pesquisa sentou na sala de reunião, ligou o notebook no projetor e já estava deitando números antes mesmo dos duendes responsáveis por outras áreas chegarem. O duende do setor administrativo acalmou o pesquisador:

– Calma, deixa todo mundo chegar?

Aí, entraram pela porta da sala de reuniões os duendes da contabilidade, do marketing, do RH, do financeiro, do comercial, do atendimento, da produção? Foram se colocando ao longo da mesa de reunião. Claro que a ausência do Papai Noel, o presidente em pessoa, foi sentida. Mas o pesquisador já tratou de dizer:

– Eu avisei o Papai Noel, mandei e-mail, mas ele falou que não era para se preocupar!! Como?  É terrível! É calamitoso! É desastroso! É catastrófico!

– Chega, controle-se! O duende do marketing mandou um olhar severo para o desesperado empregado? o que pode ser tão ruim?

– O ICPN caiu para menos de 50%!

Nem bem o duende terminou a frase, os demais entraram em polvorosa. Veja bem, o ICPN é o Índice de Crença no Papai Noel, o indicador que determina quantas pessoas no mundo ainda acredita no bom velhinho e que faz a fábrica de brinquedos continuar em funcionamento. Claro, já houve períodos de baixa, mas nunca para menos da metade das pessoas do mundo. Isso sim era preocupante.

O duende do administrativo tentou colocar a reunião no rumo e começou a estabelecer uma pauta:

– Mas como isso aconteceu? Como pudermos deixar isso passar?

– As crianças estão crescendo muito rápido. É a internet? Interferiu o duende do atendimento? Vocês sabiam que existem 20 comunidades? Eu odeio o Papai Noel? Antigamente era bom? Até podia ter uma criança ou outra que não acreditasse, mas era mais difícil espalhar para as outras. Hoje elas entram na Internet e ficam se falando, direto!

– Mas e esses pais que trabalham fora de casa quase o dia inteiro? Interveio o responsável pelo RH? Eles trabalham, ficam loucos para ter sucesso nos escritórios e esquecem-se do Natal. Pior, fazem os filhos esquecerem também!

– Eu falei para vocês ano passado: a gente tinha que investir na imagem do Papai Noel, fazer a cara dele aparecer na mídia não só no Natal? Colocou o gerente de marketing.

– Como se pudéssemos investir muito em promoção! O duende do financeiro atropelava? A criançada hoje em dia só quer brinquedos eletrônicos! Playstation, computador. Vocês sabem quantos pedidos de celulares recebemos este ano? Isso tudo é caro para produzir, não sobra verba?

– Controle de danos, rapazes? Interrompeu de novo o administrativo? o que podemos fazer para reverter isso nessa semana ainda? Quero respostas hoje depois do almoço.

Os duendes passaram o resto da manhã rabiscando alternativas. A queda do ICPN foi o assunto no refeitório durante o almoço. Todos estavam muito receosos, pois as perspectivas de emprego no Polo Norte não eram boas se não trabalhassem lá. Mas o Papai Noel não demitiria ninguém, demitiria? Mas então, por que ele não apareceu para dar satisfações para esclarecer tudo?

Os diretores até se perguntavam isso, mas não tinham muito tempo para tanto, estavam preocupados com os planos. Após o almoço, o diretor administrativo tomou a frente da reunião de vez (até sentou na cadeira do chefe) e pediu para que os departamentos apresentassem os projetos. O marketing começou:

– Como todos sabem, uma empresa prospera com a busca e conquista de novos mercados. Estamos em um mercado consolidado, o atendemos com excelência, e devemos expandir. Acho que está na hora de partirmos para os maus meninos.

– O quê! Você está louco? Pode parar! As reações variavam, mas eram todas negativas.

– Senhores, os meninos maus são um grande mercado. Já se foi à época em que ser bonzinho era o objetivo dessa criançada. Eles competem desde cedo, para virarem adultos competitivos. Não podemos fingir que não vemos.

Os duendes recusaram a proposta do marketing. Mais algumas ideias foram recusadas, por serem igualmente absurdas ou impossíveis. O marketing, não querendo desistir da glória de resolver o problema, chamou a agência de publicidade.

O executivo da agência começou:

– Vocês têm um problema de imagem. O trenó, renas, roupa vermelha larga, barba branca que nem algodão, tudo muito legal, serviu bem, mas isso ficou lá atrás, é coisa do passado. Precisamos de um novo conceito em Papai Noel. Um Papai Noel extremo!

– Extremo? Os duendes se entreolharam.

– Sim. Esse novo Papai Noel vai ter atitude. O trenó dele vai ser substituído por um carro envenenado, de preferência um carro que vire um robô gigante, sabe? Isso seria ótimo. A roupa precisa mudar também, talvez umas botas de salto, calças pretas de couro e jaqueta motociclista, com um Ray-Ban bem transado.

Os duendes estavam meio na dúvida, mas a exposição da agência era muito boa. O executivo não deu trégua:

– E ele tem que emagrecer. Essa imagem de gordinho não funciona mais, ele passa a impressão de ocioso, preguiçoso. Como as crianças vão acreditar que alguém tão grande viaja o mundo inteiro à meia-noite? O nome vai mudar também; Papai Noel? Não é nada extremo. Ele vai ser chamado só de Noel. Um nome só é moderno, tipo Ronaldinho, Gisele, Britney. Isso sim é extremo, atual, campeão de vendas.

Os duendes pareceram gostar da ideia, talvez pelo desespero de encontrar uma solução. O duende do marketing soltou aquele sorrisinho de vitória que fazia os outros pegar bronca dele (e ele já até imaginava campanhas para meninos maus no ano seguinte). Porém, a secretária do Papai Noel entrou na sala assim que eles estavam prontos para aprovar a campanha:

– O Papai Noel mandou todo mundo voltar ao trabalho e não mexer em nada na programação.

A indignação tomou a sala. Como pode o Papai Noel ficar quieto? 50% de queda no ICPN!!! Estaria ele ficando senil? Será que alguma empresa multinacional estava comprando a fábrica do Papai Noel e levando para o México? Será que Papai Noel estava falindo?

A semana foi passando, e os duendes mais nervosos ficavam. O Papai Noel evitava o assunto, não respondia e-mails que falassem da situação, e o Natal já estava próximo. Os duendes chegaram a fazer reuniões secretas para tentar resolver algo, mas não achavam justo fazer as coisas pelas costas do chefe.

Enfim, chegou o dia D: véspera de Natal. O duende da pesquisa saiu mais uma vez correndo da sala, com todo aquele material de novo. Os duendes esperavam o pior, já imaginavam que o Papai Noel nem precisaria sair com o trenó, já que à essa altura não sobraria ninguém que acreditasse. A sala de reunião dessa vez ficou cheia, e vários duendes ficaram do lado de fora, ouvindo e repassando o que seria discutido:

– O ICPN!

– O que aconteceu, o que o setor de pesquisa levantou? Perguntou o administrativo.

– Subiu! Está em 100%!

Os duendes ficaram doidos. Pulavam de alegria pelos corredores, comemoravam, estouravam champanhe, enchiam a cara de doce. Os porquês e como não importavam, tinham que deixar tudo pronto para a grande noite.

Mas nem o duende da pesquisa saberia dizer como o índice voltou para 100%. Ele saiu do trabalho no dia 23 com o índice ainda baixo e voltou no dia 24 com ele no máximo. Como é da característica de qualquer profissional de pesquisa (e esse duende era bem metódico), ele não queria ficar sem uma resposta.

Às 23h30min, quando o Papai Noel se preparava para a grande viagem, os duendes se reuniram em torno dele e o pesquisador tomou a palavra:

– Papai Noel, como o senhor sabia que o índice voltaria para os 100% na última hora? O senhor não deixou a gente fazer nada para mudar a situação, como o senhor podia ter tanta certeza?



– Meus amigos? Disse Noel enquanto abotoava o paletó? Deixe-me contar uma coisa para vocês: por mais difícil que seja o ano, por mais confuso que esteja o mundo, por mais que as pessoas pareçam se odiar na rua, por mais que os pais gastem mais tempo em carreiras do que em famílias, durante pelo menos um dia do ano eles se permitem acreditar no Natal, acreditar em algo melhor, acreditar que tudo vai ser resolvido no ano seguinte. Um dia é pouco? Pode até ser, mas enquanto pudermos manter as pessoas acreditando no Natal e no Papai Noel, vamos trabalhando para que um dia esse sentimento bom, essa alegria de estar com as pessoas que gosta, esse respeito pelo próximo dure o ano todo.

Depois desse dia, os duendes nunca mais fizeram reuniões de emergência, nunca mais andaram nervosos pelos corredores, nunca mais se importaram com o ICPN; só se preocuparam em fazer as pessoas felizes no dia de Natal. E isso era mais que o bastante.


domingo, 1 de novembro de 2020

A TERCEIRA IDADE

A terceira idade O que é a terceira idade? Todo dia a gente vê no noticiário da televisão, na internet e em outras mídias noticias sobre idosos e a terceira idade. Qual é o limite e critério para avaliar se já chegamos lá? Idade? Saúde? Preparo físico? Disposição? Aposentadoria? São tantas situações, que é difícil mensurar qual a que melhor se encaixa, mas tem uma que aconteceu comigo, que foi a pá de cal nas minhas duvidas? Em dezembro de 2016, passei pela pericia do INPS, após 05 anos de tratamento, o médico que me atendeu, com quatro ou cinco palavras, todas monossílabas, pegou uma fita métrica e mediu a circunferência da minha perna e sem dizer nada voltou para o computador e começou a digitar alguma informação. Minutos depois, ainda em estado de silencio total, ele imprime um papel e me entrega e diz: A partir de agora você esta aposentado. Tenha um bom dia! Simples assim! Fui para um consulta, ansioso como todo mundo que depende do salário de afastamento que o INPS paga e sai de lá aposentado por invalidez, o que me impede de exercer qualquer atividade formal remunerada. Como já tinha completado 65 anos e meu tempo de contribuição também estava perto de permitir que eu pudesse pedir a aposentadoria por tempo de trabalho, fui aconselhado a não fazê-lo, pois teria uma queda no rendimento. Pronto, a partir de janeiro de 2017 passei a viver a vida de aposentado, morando numa casa situada num bairro rural, a beira de uma represa e a vida foi passando, cada vez mais devagar. Passava e ainda passo a maior parte do tempo a procura de algo para fazer, para ocupar o tempo, mas a idade conspira e as oportunidades (as que valem a pena) são raras e praticamente não existem chances de concorrer, tanto pela idade como pelo sistema de aposentadoria e assim o tempo vai passando. De vez em quando escrevo algum texto, mas nem sempre publico, às vezes faço um desenho, outra faço um pequeno conserto, instalo uma tomada, pedalo numa bicicleta ergométrica que tenho na minha sala, diga-se de passagem, que é um excelente cabide e os dias seguem na sua monotonia. Minha biblioteca de 500 livros é minha companheira, mas coitada, também reclama da solidão, pois pego um livro novo a cada 20 ou 30 dias e neste tempo ela fica la, abandonada, olhando, esperando que mãos ávidas por conhecimento a procurem, mas nada acontece. Para diminuir um pouco a falta de contato com os livros, de quando em quando, os mudo de lugar para que possam respirar e não sentirem tão abandonados como às vezes me sinto. A vida de aposentado não é boa, acreditem. Outro dia senti que tinha chegado à terceira idade. Tinha que fazer a renovação da minha carteira de motorista. Antes minha carteira de motorista me permitia dirigir qualquer tipo de veículos, inclusive carretas, mas com a aposentadoria, de contrapeso, minha carteira de motorista foi cassada e tive que fazer um processo administrativo junto ao DETRAN e consegui uma carteira de motorista categoria B, que me permite dirigir somente automóveis. Agora em 2020, quando fui fazer a renovação da CNH, uma surpresa desagradável, o INSS bloqueou administrativa minha CNH, proibindo definitivamente que eu volte a dirigir. Tudo bem, quanto a isso, mas na ocasião também tive que renovar minha Carteira de Identidade. Até ai, tudo bem, mas quando ela ficou pronta, veio com uma frase que não havia na anterior: MAIOR DE 65 ANOS. Fui oficialmente declarado IDOSO. Lógico que isto parece ser vantajoso, você tem vaga para estacionar (quando consegue uma) tem fila especial nos caixas dos bancos (quando tem caixa atendendo) pode usar ônibus urbano sem pagar pela viagem, pode inclusive fazer viagens interurbanas, desde que agende previamente. Dizem ate que você tem direito a passar na frente de outros em caso de consulta médica, mas somente dizem. Na pratica, é tudo igual. Como o numero de idosos também é grande, você nota que as filas dos idosos são cada vez maiores e o numero de atendentes não se altera. Vida dura esta de ficar velho. Outro dia me deparei com uma situação que nunca havia vivido. Meu carro quebrou e tive que ir a cidade e pela primeira vez fiz valer o meu direito de ir e vir e fui ao ponto de ônibus e depois de muitos anos, felizmente, utilizei novamente este veiculo, não antes de mostrar a identidade para o motorista e ele me mandar subir pela porta de trás do ônibus, onde fica o pessoal que esta prestes a descer. Ai eu pensei: Pronto, cheguei à terceira idade. E assim a vida segue. O assunto predileto são as dores que cada dia aparece uma nova, um novo remédio, a marcação de uma consulta com o cardiologista, com o reumatologista, com o ortopedista, com o dentista e a alegria e quando os filhos resolvem te visitar: Ai então se passa algumas horas como num Oasis num deserto. Tudo fica alegre e festivo e depois, tudo volta para a rotina; Esta crônica não é um ato de pessimismo, até porque a vida é bela. É sim uma forma cômica de analisar um estágio da vida que todos um dia, os que chegarem lá, é claro, irão passar. Um grande abraço amigos e vamos em frente.

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

VIAGENS PARA DESBRAVAR O BRASIL PARA O HERMES PARDINI - A AMAZONIA E SUAS BELEZAS -

AMAZONIA – UM MUNDO VERDE. UM MUNDO DE SONHOS E FANTASIAS.


Vitória Régia -  Simbolo da Região Amazônica


Trabalhei no Instituto Hermes Pardini por 10 anos. Neste tempo todo passei viajando por todo o Brasil, divulgando o nome da empresa nos mais distantes rincões deste imenso pais. Fui do Oiapoque ao Chui e de 1996 a 2006, foram feitas parcerias com mais de 9000 laboratórios, que enviavam diariamente cerca de 25.000 amostras de pacientes para serem analisadas em Belo Horizonte. Foram milhares de quilometros percorridos em quase todas as estradas existentes, inúmeras viagens aéreas e algumas de navio. Algumas historias destas viagens já publiquei anteriormente, mas o fascínio que o nome Hermes Pardini provoca no leitores, me motivou a escrever uma boa historia sobre o maior estado brasileiro, a Amazonas e suas belezas.

Nesta publicação pretendo contar sobre minha viagem de carro à Boa Vista e Santa Helena na Venezuela, sobre as belezas de Manaus, a maravilha do encontro dos rios Solimões e Negro, quando começam verdadeiramente o Rio Amazonas, a descida de barco por este gigante até Belém, além de visitas nas cidades de Parintins, Óbidos, Oriximiná, Santarém, Belem e Macapá, 

Teatro Amazonas - Simbolo da cidade de Manaus


Tudo tem um inicio e meu trabalho na região norte começou por Manaus. Já conhecia a cidade de uma outra ocasião quando trabalhava para uma empresa de lista telefônica, mas agora a missão era outra. Implantar um escritório de apoio para atender os clientes locais do Hermes Pardini.  Esta era a pior parte do projeto, pois embora tínhamos clientes espalhados por todo o Brasil, a empresa Pardini, não era tão conhecida como hoje e tinha muitos concorrentes disputando o mesmo mercado. Via de regra eu trabalhava da seguinte maneira. Ainda em Belo Horizonte, antes de iniciar uma viagem para uma região desconhecida, procurava fazer contato com algum cliente ativo e combinava que iria despachar para eles material de trabalho, que eu pegaria tão logo chegasse. Aproveitava também este subterfúgio para descobrir possíveis funcionários e quase sempre dava certo.

Chegando a Manaus, me instalei num hotel proximo a Zona Franca e aluguei um carro para visitar os laboratórios da cidade e como nada conhecia, passei o primeiro dia mapeando a cidade, marcando o roteiro que pretendia fazer, mas o mais importante passo era contratar o representante que iria dar sequencia nos trabalhos quando eu partisse.

Quando tudo estava planejado iniciei as visitas aos laboratórios, mas nas duas primeiras não obtive exito no quesito indicação, embora ficasse contente com a chegada do Hermes Pardini na cidade. Na terceira visita, fui visitar o Laboratório Benzecry e fui  muito bem recebido pela proprietária, Dra. Andreia e durante nossa conversa, ela sugeriu que eu conhecesse seu irmão Samuel, que tinha experiência em vendas e estava desempregado no momento. Concordei em conhece-lo e marcamos um encontro para logo mais a tarde e quando ele chegou notei de imediato que ele tinha o perfil de pessoa que eu precisava. Acertamos os detalhes e ele foi contratado para ser o nosso representante, função que exerceu por mais de 10 anos com muito cuidado e responsabilidade.

Porto de Manaus - Movimento intenso todos os dias

Manaus, para quem ainda não teve oportunidade de conhecer é uma grande cidade, moderna. com um enorme parque industrial, um comércio forte devido a Zona Franca e também devido a industria do turismo. Situado à margem esquerda do Rio Negro, fica distante do Rio Amazonas uns 15 quilometros. Por ser uma cidade distante de outras capitais, só se chegava, na epoca, de avião ou de barco ou navio de porte médio. Hoje com a construção de uma ponte sobre o Rio Negro, já é possível, visto que o governo esta asfaltando, chegar a Porto Velho por terra e dali tem caminhos para todo o Brasil. Quando lá estive pela ultima vez, em meados de 2005, havia somente rodovia até a divisa com a Venezuela e para Itacoatiara.

Ponte sobre o Rio Negro que permite acesso a Porto Velho por terra.

Sempre tinha alguma novidade quando ia a Manaus. Certa ocasião a cidade estava sofrendo muito com as queimadas, tanto que quando o avião se aproximava da pista de pouso, somente a poucos metros do chão foi possível ver a vegetação em torno do aeroporto. A fumaça era tanta que conversando com um dos tripulantes da aeronave ele disse que naquelas condições, o pouso somente poderia ocorrer por instrumentos, pois não se enxergava nada da cabine da aeronave.

Também, devido as queimadas, a energia elétrica da cidade, que era fornecida por usinas movidas à óleo e com isso havia um racionamento em toda cidade. No hotel que eu estava hospedado a força era desligada às 9:00 horas e religadas às 17:00 horas. Eu, nesta viagem, fiquei por lá uns 20 dias.

Num final de semana, minha esposa veio me visitar, pois estava fora de casa à quase 03 meses e enquanto eu saia para trabalhar, ela ia passear nas lojas da Zona Franca e numa vez, ela resolveu jogar no bicho. Apostou R$ 5,00 no Pavão e para sua surpresa, a tarde, quando passou no cambista, soube que havia ganhado R$ 100,00. Vocês nem  podem imaginar a alegria dela. Sorte de principiante, pois até aquele dia nunca havia jogado.

Encontro das águas do Rio Negro com o Solimões - Inicio do Rio Amazonas


O final de semana foi muito agitado. O Samuel tinha arrumado com um guia canoeiro, um passeio pelo Rio Negro até o encontro com o Rio Solimões, dando inicio ao Rio Amazonas. Foi um passeio inesquecível, pois além de chegarmos bem no meio dos rios, onde as águas não se misturam, tivemos oportunidade de conhecer as vazantes dos rios, chamados de “parana”, onde moram muitos ribeirinhos. Depois, fomos levados por dentro da floresta, por caminhos que o guia conhecia, até um restaurante instalado num tablado flutuante em um grande lago. Foi servido uma das melhores refeições de peixe que se podia esperar. Rodizio de tucunaré, tambaqui e pirarucu e muita cerveja.

Peixes das mais variadas especies. Esta é a culinária local


Voltamos para Manaus no final do dia e já tínhamos um programa legal para o  dia seguinte: iriamos subir o Rio Negro num barco de 18 metros, pertencente ao um parente do Samuel. Foi inesquecível fazer um churrasco numa praia deserta de areias brancas na companhia de mais 30 pessoas. Junto com o barco, o parente da Samuel levou também uma lancha e um jet ski e foi a primeira e ultima vez que tive oportunidade de dirigir uma lancha, por pouco tempo, e dar uma volta de jet sky.

Voltamos para Manaus já no começo da noite e chegamos cansados no hotel, mas ainda sobrou tempo para tomar um tacacá, uma iguaria deliciosa, feita com goma de mandioca, tucupi, jambu e camarão. No dia seguinte, minha esposa voltou para São Paulo e eu fiquei trabalhando mais uns dias com o Samuel. Estávamos na Semana Santa. Eu iria na sequencia para Belém e como teria uns dias de feriado, resolvi abrir mão da viagem aérea e ir de barco, viagem que demoraria 05 dias.

Comprei um camarote neste navio e o preço era muito barato considerando o tempo de viagem, com refeições inclusas. Não tive a curiosidade de conhecer o navio antes da partida e quando cheguei no porto, notei que se tratava de um catamarã, todo de ferro, com uns 50 metros de comprimento e uns 15 metros de altura. O Samuel me ajudou a levar a bagagem até o camarote e ai notei que haviam apenas dois apartamentos para passageiros do lado direito do navio e dois do lado esquerdo. Eu ocupei um deles e uma familia ocupou o outro. Esta familia fez um trecho curto, somente até Parintins. Do outro lado, os camarotes eram utilizados pela tripulação. Por outro lado, em dois pavimentos abaixo do plano onde estavam os camarotes e a sala de comando do navio, haviam mais de 700 pessoas, todas em redes.

Era uma cena chocante e me senti muito mal em ver aquilo. Eu usando um apartamento com cama espaçosa, ar condicionado e logo abaixo, 700 pessoas em rede, sofrendo com o calor, chuva e com a falta de higiene, pois os banheiros eram imundos. Mas era muito barato. Não tenho idéia da epoca, mas se colocarmos no valor de hoje, eu teria pago pelo camarote por 05 dias, com refeições inclusas um valor semelhante a R$ 450,00, enquanto os que viajavam na rede estariam pagando um valor equivalente a R$ 150,00.

Na calmaria do gigante, milhares de quilometros de água e florestas


Na cobertura, quase ao lado dos camarotes, funcionava uma lanchonete e lá era o encontro do pessoal. Com o calor intenso, o consumo de cerveja era bem alto e fiquei muito amigo da tripulação, depois de pagar algumas duzias de cervejas para  eles. A viagem é linda e recomendo a todos um dia, se puderem que a façam. O Rio Amazonas é magico. Tem lugares que ele tão largo, que não se consegue enxergar a outra margem e tem um trecho, que ele fica estreito, perto de 02 quilometros de largura, mas neste ponto, perto da cidade de Óbidos, a profundidade, chega a mais de 1500 metros.

A primeira escala foi na cidade de Parintins, a capital brasileira do Festival do Boi. A parada ali foi rápida. Cerca de duas horas, mas foi o suficiente para conhecer rapidamente uma pedacinho da cidade, onde prevalece, nas casas, as cores vermelha ou azul, dependendo de que time o morador é torcedor. Se do Boi Garantido (vermelho) ou do Boi Caprichoso (azul). Todo ano, ali é realizado um festival, que se assemelha muito com o Carnaval do Rio de Janeiro, onde existe a disputa do melhor desfile entre as duas agremiações.

Seguindo a viagem, outro detalhe que me chamou a atenção foi o carregamento de açaí. Em pontos já previamente combinados, o navio toca uma sirene e reduz a velocidade da embarcação. Nisso, pessoas manobrando canoas apenas no remo, se aproximam do navio, que não para, se amarram ao barco por cordas e transferem balaios cheios da fruta. Quando a operação termina, eles se soltam do navio e voltam para suas casas, todas casebres, à beira do Rio Amazonas, cercadas de arvores por todos os lados.  Este procedimento de se repetiu por diversas vezes durante a viagem e acontecia inclusive durante a noite. Quando o navio aportou em Belém havia mais de 100 balaios de açaí.

Outra cena que ficou gravada na memória foram as crianças dos ribeirinhos. Pilotando uma pequena canoa, meninos e meninas, alguns com idade aparente de 05 anos, iam de encontro ao navio e ficavam acenado para os passageiros jogarem coisas para eles. Parece que já era um costume estabelecido, pois eram atirados dezenas de sacos plásticos, uns com roupa, outros com comida e ai se notava a pericia daquelas crianças em manobrar suas canoas para recolher os pacotes lançados.

Visto do alto, o Rio Amazonas em alguns trechos é um enorme emaranhado.

A viagem que durou 05 dias, teve muitos momentos inesquecíveis, mas não posso deixar de relatar a parada do navio em Santarem. Ali ficamos parado por umas 05 horas, tempo necessário para o navio ser carregado com uma enorme carga de peixes, Dentro do navio havia uma grande câmara frigorifica e os peixes eram retirados de caminhões estacionados num plano mais alto e jogados diretos para o navio através de uma rampa feita especialmente para isso. Não consigo imaginar a quantidade de peixes e tamanhos que  foram embarcados, mas eram muito peixes. Mas o que me chamou mais a atenção foi o que vi no Porto de Santarém: uma floresta de madeira cortada (mogno), embalada, pronta para ser embarcada para a Europa. Podem imaginar uma  linha de uns 150 metros de comprimento, por uns 05 metros de altura e 05 de largura. Bem este era o volume de madeira que estava a espera de um navio para ser enviado para algum pais europeu. Fiquei indignado com a cena, mas creio que a mesma se repete até os dias de hoje.

Milhares de árvores são transportadas pelos rios da região


Para completar a viagem, até a chegada à Belém, tenho que relatar como era servido as refeições. A comida era igual para todos, tripulação e passageiros. Eram servidos num grande salão em horários previamente agendados. Café da manhã, almoço e jantar. Mas o diferente era o tratamento. Dentro do salão, havia uma pequena sala, toda fechada com vidro e com ar condicionado. Ali é que era servido as refeições para a tripulação e para mim, o único passageiro que viajava nos camarotes. Os outros passageiros também eram servidos, mas em mesas colocadas ao longo do salão, sujeitos às intempéries do tempo.

Esta viagem foi inesquecível, mas teve outra com muita mais emoção, quando resolvemos ir a Boa Vista de carro, abrindo mão da passagem aerea, que tínhamos direito.

Nesta  viagem eu já tinha o escritório montado e uma secretária eficiente que ajudava o Samuel na coleta dos exames. Eu estava programado para fazer a viagem até Boa Vista de avião, mas pelo espirito de aventura, resolvi faze-la de carro. O Samuel tinha um chevette e combinamos que iriamos sair cedo para chegar ao entardecer na capital do Acre.

Iniciamos a viagem por volta de 09 horas e ao chegar na primeira cidade, Presidente Médici, resolvemos não abastecer, contando que íamos encontrar postos de combustíveis pela estrada. Seguimos a viagem tranquilos até a chegada de uma reserva índia, controlada pelo Exercito. Fomos parados e instruídos que não poderíamos parar em parte alguma da estrada dentro da reserva, pois corria risco de ser atacados pelos índios que lá habitavam. Não havia socorro, não havia nada. Era acelerar e atravessar os 160 quilometros de estrada sem nenhuma parada. Normalmente, você percorre uma distancia desta em uma hora e pouco, mas dentro da floresta é diferente. Primeiro, devido a quantidade e altura das árvores, tivemos que fazer toda a viagem de farol ligado. Não tinha espaço para o Sol jogar sua luz na estrada, salvo em pequenos trechos. Mata fechada o trecho todo. Não vimos uma alma viva siquer, nem índio, nem bichos. Mas durante a travessia, que durou quase 02 horas, o coração batia acelerado.

Quando terminamos a travessia da reserva, tinha um pequeno posto de gasolina, mas sem gasolina. Era apenas um posto. Não tinha nada. Compramos um refrigerante e tivemos a informação que a 120 quilometros à frente tinha um posto de gasolina. Nesta altura, o odômetro marcava meio tanque e ainda faltava mais de 400 quilometros para chegar. O combustivel iria acabar antes. Seguimos viagem, atravessamos a Linha do Equador e quando chegamos no tal posto, para nossa decepção e preocupação, também não havia gasolina para vender. Ainda restava uns 300 quilometros para chegar e pouco mais que um quarto de gasolina. Ai começou realmente a aventura. Começamos atravessar dezenas de igarapés, todos, literalmente todos, com as pontes quebradas. Cada uma delas tinha um jeito de atravessar, até passando pelo igarapé, com a água chegando no assoalho do carro, mas o que mais preocupava ainda era o combustivel. Estava acabando.

Na viagem para Boa Vista passamos pelo marco que indica a linha do Equador


Começamos a dirigir em ponto morto. Acelerava o carro até ganhar velocidade e ai jogava ponto morto e deixava ir até quase parar e depois acelerava novamente. Uma hora fiz um teste e desliguei o motor e rodamos um longo trecho com o carro desligado e passamos a trabalhar desta maneira, mas mesmo assim, o combustivel estava acabando. De repente, acende a luz de reserva  e ainda faltava uns 80 quilometros para Boa Vista. Tinha começado a chover e ficar escuro. O movimento na estrada era minimo, de vez em quando cruzava um caminhão, mas era muito pequeno o movimento. Já estavamos conformados com a idéia de ter que dormir no carro, quando do nada,  aparece uma luzinha. Era um posto de gasolina. Chegamos lá praticamente com 100 ml de combustivel no tanque. Foi um presente da Deus.

Só de imaginar dormir a noite ao relento, em plena Floresta Amazônica, já é bem complicado, agora se realmente tivesse acontecido, hoje, certamente, estaria contando uma historia de terror. Chegamos em Boa Vista por volta de 19:00 horas. Lamentei muito ter vindo de carro. Poderia até voltar de avião e deixar o Samuel voltar sozinho, mas ai seria muita sacanagem.

Trabalhamos quatro dias em Boa Vista, contratamos uma vendedora, visitamos todos os laboratórios da cidade e retornamos a Manaus. Enchemos o tanque e pelos cálculos, daria para chegar em Presidente Figueiredo. Lá colocaríamos combustivel novamente e dava para  chegar com folga  a Manaus. Só que quem quer voltar para casa, sempre anda um pouco mais depressa. Essa parece ser a regra. Foi o que aconteceu. Voltamos um pouco mais depressa e não deu outra. A 15 quilometros de Presidente Figueiredo a gasolina acabou. Paramos no acostamos e o Samuel pegou uma carona e foi até a cidade buscar combustivel. Por conta disso chegamos em Manaus já bem a noite.

O duelo dos bois Garantido e Caprichosos tornaram Parintins um centro turístico nacional


Manaus sempre me trás grandes recordações, mas não posso deixar de contar a beleza que é o Festival dos Bois Centro de Convenções de Manaus, o encontro entre os grupos folcloricos Caprichoso e Garantido. É como uma disputa de final de campeonato brasileiro. Arquibancadas lotadas, os Caprichosos, vestidos de azul e o time do Garantido de vermelho, a cor que o Samuel usava tocando um enorme bumbo. Tudo isso regado a cerveja gelada e muita alegria, afinal, nem tudo era trabalho.




quarta-feira, 23 de setembro de 2020

BELÉM E O CÍRIO DE NAZARÉ

Belem - Uma das maravilhas do Brasil
Mercado Ver o Peso - Belem


Uma das maiores festas religiosas do Brasil, talvez a maior, este ano não acontecerá nos moldes tradicionais. Pela segunda vez desde que foi criado em 1793, o Círio de Nazaré em função da pandemia causada pelo Coronavírus, não será celebrado nos moldes dos anteriores. O Círio de Nazaré é uma manifestação religiosa cristã em devoção a Nossa Senhora de Nazaré, que ocorre na cidade de Belém, capital do Para, em Macapá,capital do Amapá e em Rio Branco, capital do Acre. Esta festa é celebrada anualmente desde 1793, no segundo domingo de outubro e chega a reunir cerca de dois milhões de pessoas em todas as romarias e procissões, inclusive a procissão dos barcos. Segundo os historiadores, esta devoção religiosa foi herdada dos colonizadores português. Esta tradição foi importada de Portugal, onde este evento é comemorado no dia 08 de setembro. 

Segundo ainda os historiadores, no Brasil, no inicio era uma romaria vespertina e até mesmo noturna, daí o uso de velas. No ano de 1854, para evitar a repetição da chuva torrencial que havia caído no ano anterior, a procissão passou a ser realizada pela manhã.

Uma pena que este ano não teremos esta festa, que já tem o calendário das festividades definidos e publicado nas redes sociais e nos principais jornais do Brasil, mas sempre o objetivo é nobre: evitar aglomerações para não aumentar os casos de Covid 19, mas mesmo assim o povo paraense aguarda com muita ansiedade este momento. Eu estive em certa ocasião participando do Círio de Nazaré e vou relatar o que vi nas linhas abaixo. È um espetáculo inesquecível.

Além da festa religiosa, das procissões de barcos, procissões terrestre, tem a procissão da corda, talvez a maior demonstração de fé que o homem pode oferecer.  Não existe palavras para definir o esforço dispendido para acompanhar a procissão das cordas, mas contarei em detalhes mais abaixo, mas tem também as maravilhas da culinária paraense, que nesta data comemoram o evento com o tradicional Pato no Tucupi, com a Maniçoba e outras delicias. Vale a pena conhecer e participar.

 

Círio de Nazaré - A maior manifestação de fé do Brasil

Cyrio de Nazaré – A maior demonstração de fé do povo paraense

Minha viagem foi num barco com esse - 05 dias de duração


Minha chegada à Belem, depois de 05 dias a bordo de um navio da Enasa, já tinha sido o suficiente. Um detalhe interessante é que ao longo dos mais de 2000 quilometros que a viagem teve, a paisagem permaneceu inalterada. Água e arvores. Com exceção nas paradas nas cidades de Parintins, Óbidos, Oriximiná, Santarem e a chegada em Belem, o resto do caminho era tudo exatamente igual. O tempo passava devagar. De vez em quando ia a cabine de comando e perguntava para o navegador como estava indo a viagem e ele me mostrava os mapas de navegação, o sonar de profundidade e o avanço do navio. Em média, uns 30 quilometros por hora, pois estavamos a favor da correnteza. Para fazer o caminho inverso, a viagem dura 06 dias ou mais, dependendo da força da água.

Quando encontrei com a vendedora Ana Maria, que gentilmente veio me buscar no porto, já havia uma grande historia por trás deste momento. Eu sempre optei por viajar de carro. Só utilizava outro meio de transporte quando  era impossivel ir por estrada. E numa destas andanças cheguei a Belém do Pará. Era meu ultimo desafio antes de iniciar a região Amazônica, embora Belém seja banhada por um mar de água doce, que é a Bacia do Guajará, onde desembocam os Rios Guamá e Acara. Eu sempre pensei que aquela água era do Rio Amazonas. Foi no navio que aprendi esta lição de geografia, pois quando chega na cidade de Breves, onde começa a Ilha do Marajó,  existe um desvio do Rio Amazonas em forma de Y e o rio segue pelo lado esquerdo e o Estreito de Breves à direita, chegado suas águas na Bacia de Guajará.

Estreito de Breves - Entrada para a Baia da Guajaras

Belém é uma cidade encantadora. Mas longe! Tinha trabalhado nas cidades de Recife, João Pessoa, Natal, Mossoró, Fortaleza, Teresina, São Luiz e finalmente havia chegado a Belém. Eu e meu Gol vermelho, que chegou a rodar mais de 300.000 quilometros sem problema de motor.

Quando Belém começou surgir à minha frente, eu já tinha rodado desde minha saída de casa mais de 4.000 quilometros, após passar a entrada de Mosqueiro, um lugar exótico e imperdível, que contarei em detalhes mais à frente, a pista passou a ser mão dupla e em ambos os lados da estrada já existia um comercio ativo e mais à frente a cidade de Ananindeua, que fica colada à Belém e esta mesma estrada me jogou numa avenida e dali até o centro da cidade. Era uma questão de hábito. Quando eu chegava numa cidade pela primeira vez, minha primeira parada sempre era o centro da cidade. Lá eu procurava por informação de hotel, me localizava e ai começava a ver realmente onde estava.

Minha primeira morada em /Belem

O hotel mais barato, dentro do padrão que costumava ficar era proximo a Estação Rodoviária. Hotel simples, mas bem localizado e bom atendimento. Primeira etapa do projeto estava pronta. Já estava em Belém, estava hospedado, já tinha jantado e fui dormir. O grande desafio começaria no dia seguinte: encontrar, contratar, treinar um representante para aquela grande cidade.

O Laboratório Pardini já era bem conhecido nesta epoca e tínhamos muitos clientes que enviavam suas amostras direto para Belo Horizonte via Sedex. Era precário este serviço, mas era o que tinha. Com a contratação de um representante, todos os laboratórios enviariam mais amostras e elas seguiriam em voo noturno, chegando na empresa na manha do dia seguinte, com resultado das analises dois dias depois, dependendo do tipo de exame.

Mas onde encontrar uma pessoa responsável para fazer este serviço com eficiência depois que eu fosse embora? Comecei pelo obvio. Perguntando aos donos dos laboratórios que já eram nossos clientes se tinham alguém para indicar. Depois de alguns não, me indicaram uma vendedora muito conhecida por todos, de nome Maurícia, que vendia reagentes para os laboratórios. Bem, era um começo. Liguei para Maurícia e marcamos um encontro. Encontrei com uma mulher pequena, bem magrinha, mas mostrava muita disposição e conhecimento do mercado. Achei que poderia dar certo, mas antes de enviar a documentação para admissão, resolvi trabalhar uns 03 dias com ela para ver se seria a contratação certa. Foi talvez a decisão mais acertada que fiz durante todo o tempo que trabalhei no Pardini.

Ela tinha muitos compromissos, devido as suas representações e não estava dando a atenção ao projeto Pardini da maneira que eu realmente precisava. Eu precisava ter alguém comprometido até a alma com a idéia, pois o serviço assim exigia e Belém era muito longe para ir a todo momento. Na manhã do terceiro dia, disse para a Maurícia que não ia dar certo e que eu não iria contrata-la. Acho que ela já esperava por isso. Imediatamente, ela disse que tinha uma amiga que estava desempregada e que eu iria gostar. Ela com certeza seria a pessoa certa para o que eu precisava.

Ana Maria e seu filho Lucas na epoca que trabalhamos juntos


Combinamos encontrar sua amiga no seu apartamento. Lá conheci a mãe dela, tomei um litro de água super gelada para combater o calor daquela cidade e ficamos aguardando a chegada da amiga. Pontualmente, às 14 horas, como combinado, eis que chega a Ana Maria. Uma morena tipica paraense, cabelos curtos e ainda tímida, começamos a conversar, mas a empatia foi instantânea. Eu tinha certeza que tinha encontrado a pessoa certa. Nossa conversa durou menos que 20 minutos e já defini que ela seria a representante. Pegamos o material de trabalho que estava na casa da Maurícia, e levamos o apartamento que a Ana Maria morava. Lá tive oportunidade de conhecer seu filho Lucas, um garoto de 06 anos, muito esperto, que ficou meu amigo de imediato. Hoje, ele já é advogado e com projeto de fazer doutorado em Portugal e já tem um escritório montado na capital paraense;. Conheci também a mãe da Ana, Dona Cecilda, que estava muito doente na epoca. Já não andava. Permanecia o tempo todo deitada ou em cadeira de rodas. Era uma mulher muito bacana, conversávamos muito, mas infelizmente a doença fazia a vida da Ana Maria ser muito sofrida. Conheci também seus irmãos Celinho, Celso, Cezio e a Ângela. Em resumo, fiquei muito amigo da familia, amizade que durou por todo o tempo que trabalhamos juntos. Depois que eu sai da empresa a Ana continuou e chegou ao cargo de supervisora de equipe, ficando responsável por toda a Região Norte. Foi uma das contratações mais acertadas que fiz em toda minha carreira profissional, pois além da excelente vendedora, que dominou completamente o mercado, tornou-se minha grande amiga. E é essa amizade que me levou a conhecer o lado magico da cidade de Belém.

Produto caraterístico da região de Mosqueiro - diversas fabricas


Mosqueiro é uma ilha fluvial do Rio Pará,  vilarejo localizado nas cercanias de Belém e um lugar muito visitado. Ali é fabricado a famosa Cerâmica Marajoara. Vasos ornamentais, com figuras tipicas, que ressaltam suas belezas por serem todas feitas de forma artesanal. Lá existem dezenas de lojinhas e dentro delas é um mundo de variedades, onde você encontra tudo para decoração, desde um simples prato, até um sofisticado jogo de panelas para servir feijoada.

Os restaurantes,  todos a beira da Baia do Guajará, onde existe uma grande praia, e é característico destes estabelecimentos servirem como prato principal a tradicional peixada. Um caldeirão enorme de barro, com diversos pedaços de peixe de excelente sabor, ovos cozidos e uma verdura que não conhecia até minha primeira ida a este lugar. O jambu, uma  hortaliça muito parecida com o agrião, que quando você a mastiga, sua boca fica anestesiada. Uma sensação estranha, mas deliciosa.

Peixada com Jambu e molho de Tucupi


Por diversas vezes, estive em Mosqueiro com a Ana Maria, onde ela tinha uma pequena casa, que estava lutando para vender e nesta vila, aos finais de semana, era festa direto. Milhares de pessoas, musicas ao vivo em vários lugares. Lembrava as praias do litoral de São Paulo na epoca do verão ou feriados prolongados. O detalhe que é praia de água doce e não causa a mesma emoção de uma praia de água salgada. Ai, o paraense não se faz de rogado, viaja mais uns quilometros e chega na Praia de Salinas, um dos lugares mais bonitos do litoral brasileiro,

Engraçado, que num lugar tão quente e distante da grande colonia japonesa no Brasil, é muito fácil encontrar restaurantes que tem como prato principal o Yakisoba. Um prato feito com macarrão fino, legumes e shoyo. Em Belem você encontra este prato em diversos restaurantes.

Outro lugar imperdível que conheci em companhia da Ana foi o Mercado Ver o Peso. Ali é um mundo único. Não deve ter outro lugar na terra com as mesma variedades de produtos. Lá você encontra de tudo. Desde peixes a benzedeiras que prometem curar qualquer doença, resolver problemas de dinheiro, etc.

Junto ao Mercado Ver o Peso, tem o Antigo Porto de Belém, todo reformado, espaço que na epoca que lá estive já havia se transformado num boulevard, com diversos restaurantes e outras atrações. Me recordo que havia uma ponte rolante, que percorria toda a extensão do porto, uns 300 metros, e dentro dela, lá no alto, ia um musico, tocando e cantando musicas para alegrar o ambiente.

Dentro do Mercado Ver o Peso é possível de tudo da região


Nesta viagem que eu estava chegando de Manaus por barco, eu já havia deixado o meu carro na casa da Ana Maria e logo após meu desembarque, me hospedei, e fomos visitar os laboratórios. Os paraenses são de longe um dos povos mais hospitaleiros do Brasil. Fazem tudo que podem para te deixar a vontade e cada visita era uma conversa de amigos que não se viam a muitos anos. Difícil terminar uma visita em menos de uma hora. Alguns donos de laboratório eu já conhecia de congressos, outros fui apresentado pela Ana, mas em todos os lugares, o atendimento era excelente.

Visitando um laboratório numa das avenidas da cidade, se a memoria não me trai, era o Laboratório Amaral, deixamos o carro quase defronte à empresa e eu deixei minha pasta no banco de trás. Quando voltamos, tínhamos sido roubados. O ladrão entrou pela porta do porta malas do Gol e levou minha pasta, minha maquina fotográfica com as fotos da viagem pelo Rio Amazonas, o radio do carro e uma sacola com alguns objetos da Ana Maria. Para minha sorte, estava com a carteira no bolso, o que me evitou um monte de dor de cabeça. Ela ainda me levou a conhecer um restaurante cuja proprietária sobreviveu a queda do avião da Varig em plena selva amazônica, onde morreram praticamente todos os ocupantes e apenas alguns se salvaram, entre eles, esta senhora. Outro lado inesquecível de Belém era o final do dia. Ana tinha muitos amigos e sempre a tarde se encontravam num barzinho da cidade para um gostoso bate papo, regado da inigualável cerveja Cerpinha.

A Ana Maria, no tempo que trabalhou comigo foi sempre impecável como profissional e nas vezes que ia visita-la, sempre foi uma grande amiga, a quem devo grandes favores e agradeço nesta postagem.  Mas tem dois episódios que não posso deixar de relatar, pois a historia não ficaria completa.

Eu precisava colocar um representante em Macapá, que ficaria subordinado a Ana Maria. Eu como havia curtido muito a viagem de barco de Manaus para Belém, disse para a Ana comprar dois camarotes num navio que iria para Marabá. Assim ela fez. Quando embarcamos, o navio era completamente diferente do que eu havia viajado. Era todo de madeira, muito barulhento, com o pessoal pendurado nas redes e os camarotes era feitos para pessoas normais. Eu pesava na epoca uns 140 quilos. Mal cabia na cama. Era muito apertado. Mesmo a Ana, no outro camarote, também não conseguia se ajeitar para dormir, pois o barco balançava muito. Resolvemos então subir para o deck do navio e ver televisão. No inicio, estava indo tudo bem,  mas do nada começou cair uma tempestade muito forte. Não dava para voltar para as cabines, pois ventava muito e o barco balançava demais. O jeito foi ficar sentado onde estavamos, com o coração na mão, torcendo para a tormenta passar. Estávamos margeando a Ilha de Marajó e esta chuva durou horas para parar. Chegamos no Porto de Santana em Macapá, mortos de cansaço,  com sono e com muita fome. Ficamos por lá uns 03 dias, contratamos um representante e voltamos de avião. Minha recomendação a quem um dia querer viajar de navio naquelas regiões. Conheça o navio antes de comprar o bilhete. Se for navio de madeira, sai fora.

Procissão da corda - Precisa de muita força para segurar-se nela.


Deixei para o final a parte que envolve o titulo desta publicação: Círio de Nazaré.  Trata-se com certeza da maior profissão de fé em todo o Brasil. A veneração a Nossa Senhora de Nazaré é algo que impressiona, que comove e nos transporta para um mundo de paz e esperança, que atinge a todos, sem exceção.

Ana Maria conseguiu ingressos para fossemos na procissão naval. Um cortejo com mais de 1000 embarcações, que seguem um barco que levava a imagem da Santa até um local onde foi rezada um missa. No navio que estavamos, havia umas 300 pessoas e durante todo o percurso, tanto na ida como na volta, haviam grupos rezando em louvor à santa. Esta procissão aconteceu num sabado. No domingo haveria a grande procissão do Círio de Nazaré, onde a santa é levada de volta para sua igreja. O que chama atenção e causa angustia em quem esta assistindo é a devoção dos fiéis, que seguem o cortejo segurando uma enorme corda, de uns 10 cm de diâmetro por uns 500 metros de comprimento, com os rostos colados uns nos outros, num esforço supremo para não soltar a mão da corda, pois se assim o fizer, outros entrarão em seu lugar. Uma demonstração de fé, amor e devoção.

Terminada a procissão, fomos almoçar na casa de um amigo e tive oportunidade de saborear o prato mais cobiçado pelos paraense: Pato no Tucupi, acompanhando de Maniçoba, uma comida feita a base de mandioca brava, de cor verde, que eles adoram, mas que não fez o meu gosto.

Foram muitas historias vividas em Belém. Lamento não ter voltado mais àquela cidade maravilhosa, de povo hospitaleiro, nestes últimos 18 anos. Muitas saudades de Belém, onde se planta arvores frutíferas em suas principais avenidas. Normal, nas épocas da colheitas, a queda de mangas nos carros estacionados  sob a sombras das mangueiras e da loucura pelo açaí, que lá é vendido em cada esquina.

Ana e Lucas nos dias de hoje


Espero um dia poder voltar. Mas se este dia não chegar,  pode ter certeza que guardo cada momento vivido neste rincão do Brasil, da minha amiga Ana Maria e de seu filho Lucas, hoje já doutor, que na epoca me chamava de “Tio Luis”.