O vendedor de sonhos

Homenagem a uma historia vivida por centenas de pessoas inesquecíveis que partilhavam os mesmos sonhos, os mesmos ideais.

terça-feira, 25 de abril de 2017

Capitulo 20 – Linha de chegada

Capitulo 20 – Linha de chegada

Com o fechamento do Editora Paulista, onde havíamos publicado a Agenda Comercial de São Carlos, Araraquara, São José do Rio Preto e o Star Guia de Ribeirão Preto, a situação estava cada vez mais complicada do ponto de vista financeiro. Ainda restava um pouco de dinheiro no Banco Itaú, um cheque especial, mas não tinha trabalho.

Literalmente a situação estava tão crítica, que não conseguia enxergar uma solução. Ainda mantinha contato com a Pinnati, Claudete, Silva de Ribeirão Preto e por conta disso, para clarear as ideias, passava muitos dias na chácara que a Claudete tinha em Brodósqui, a terra de Portinari,  mas trabalhar que era bom até aquele momento nada. Mil pensamentos e nenhuma ação.
Palacio Anhanguera - Sede do Governo de Palmas
Naquele ano, Palmas, capital de Tocantins, estava completando 10 anos de existência e ficamos sabendo que estavam contratando muita gente, que havia muitas oportunidades para empreendedores e a ideia de ir até lá passou a ser a conversa do momento. A Claudete estava casada com o Freire e ele também estava na mesma situação que eu. Havia sido demitido da LTN e também procurava trabalho. Conversa aqui, conversa ali e finalmente decidimos ir a Palmas a procura de uma oportunidade de trabalho ou negócio. O proposito era sair dali com alguma coisa arrumada.
 
Assim era Palmas quando a visitamos em 1992.
Fomos com um carro que a Claudete tinha, um Fiat Uno. A viagem até Palmas foi tranquila, sem nenhum incidente. Quando chegamos à Capital do Tocantins tivemos um misto de decepção e expectativa. A cidade era um canteiro de obra. O Governo funcionava em barracões feitos de madeira e tudo ainda era precário. Hotel, restaurantes, postos de gasolina, enfim, tudo estava funcionando a meia boca e os preços estavam na estratosfera.

Ficamos em Palmas dois dias. Visitamos diversas empresas, fomos a Secretária do Desenvolvimento de Palmas e lá descobrimos que se tivéssemos uma propriedade para dar como garantia, conseguiríamos levantar junto ao BASA – Banco da Amazônia AS, valores que permitiriam comprar fazendas, montar industrias ou investir num grande comercio. Era muito dinheiro à disposição, mas nós estávamos duros. Não tínhamos o que oferecer. Até tentei fazer parceria com algum empresário de São Carlos, mas não obtive êxito.

Chegamos à conclusão que Palmas, embora fosse uma terra de oportunidade, nós não tínhamos dinheiro para investir e as vagas que haviam no mercado era para serviço braçal, como pedreiros, carpinteiros, ajudantes, que não era o nosso objetivo e resolvemos abortar a ideia e voltar para Ribeirão Preto. Só que não. Freire é cearense e fazia alguns anos que não via sua família e disse que se eu concordasse, ele queria aproveitar que já estávamos no meio do caminho, fossemos até o Ceará, na cidade de Mucambo, visitar sua família. Discutimos sobre ir ou não, mas acabei concordando, pois o espirito de aventura falava mais alto e eu tinha oportunidade de passar em Fortaleza e conversar com o Manoel, que nesta altura, tinha voltado a trabalhar na LTN, como responsável do escritório que a firma havia aberto naquela cidade.
Travessia do Rio Tocantins
A viagem dali para frente foi uma aventura. O primeiro desafio foi atravessar o Rio Tocantins. Depois de sair de Palmas, tínhamos que voltar a rodovia que levava a divisa de Tocantins ao Maranhão. Tínhamos duas opção: voltar até Porto Nacional e dali para a Rodovia, que representava quase 200 quilômetros ou ir por Paraíso, mas tínhamos que atravessar de balsa o Rio Tocantins. Foi uma travessia demorada. Ficamos mais de meio dia na fila e chegamos do outro lado do rio já no começo da noite. A cidade tinha um nome muito sugestivo, embora não fizesse jus: Paraíso. 

A beira da Rodovia Belém Brasília, era uma cidade bem pequena na época, praticamente um ponto de parada da balsa que fazia travessia do Rio Tocantins. Nossa ideia era dormir em Paraíso e sair cedo no dia seguinte, mas devido à falta de estrutura da cidade, resolvemos seguir viagem noite adentro e a duras penas, muito cansado, conseguimos chegar já por volta de 02:00 horas na cidade de Imperatriz, já no Estado do Maranhão. Conseguimos uma pensão para passar a noite e no dia seguinte, fomos dar conta de onde realmente estávamos.

Imperatriz - Porta de entrada do Estado do Maranhão
Era a primeira vez que eu e o Freire passávamos por aquelas bandas e não tínhamos a menor ideia do que viria pela frente, mas o que ficou para trás foi inesquecível. Uma estrada de péssima qualidade, com muitos buracos no asfalto e praticamente nenhum ponto de apoio. De acordo com o que víamos no mapa, teríamos que atravessar o Estado do Maranhão, parte do Piauí e finalmente chegar no Ceará. Isto era muito mais que havíamos planejado. O dinheiro estava muito curto para concluir a viagem e tivemos que apelar para a Claudete e sacar o resto do dinheiro que eu tinha do cheque especial do Banco Itaú. Ainda assim, teríamos que conseguir dinheiro com a família do Freire, tão logo chegássemos a Mucambo, caso contrário, o dinheiro não daria para concluir a viagem.
Só uma ponte separa Timon de Teresina
Atravessar o Estado do Maranhão e chegar na cidade de Teresina foi o dia todo de viagem. Quando chegamos na cidade de Timon, a que faz divisa com o estado do Piauí e fica separada de Teresina apenas por uma ponte, fomos parados por uma blitz policial, que nos prendeu por mais de 03 horas, tudo por causa de uma lanterna que estava queimada. Maior sacanagem. Tenho impressão que o soldado não foi com nossa cara, pois era uma pequena infração de transito e não havia necessidade daquilo tudo. Quando ele se cansou de ver nossa cara, liberou nossa passagem, mas já havia anoitecido.
Não era essa, mas a situação era parecida.
Como o dinheiro estava contado, dava apenas para a gasolina, resolvemos seguir em frente, pois segundo o Freire, estávamos a menos de 200 quilômetros de Mucambo. Seguimos então a viagem por mais uns 50 quilômetros, quando deparamos com um movimento na pista, com vários carros e caminhões parados, O motivo tinha sido a quebra de uma ponte. Ela literalmente havia desabado e não tinha como passar. Sob ela, passava um riacho, onde tinha um grupo de pessoas que empurravam os carros através do riacho até o outro lado em troca de algum dinheiro. Funcionava com carro pesado, mas vimos um carro leve como o nosso tentar passar e a força da água o arrastou por um trecho e foi muito difícil trazer o carro de volta. Tomamos a decisão de não arriscar, afinal o carro que estávamos era da Claudete e se acontecesse alguma coisa, não iria ser fácil explicar. 

Então, resolvemos contornar e passar por outra estrada e com isso, rodamos mais uns 80 quilômetros até voltar na estrada que liga o Piauí ao Ceará e quando raiava o dia, vimos a placa de entrada para Mucambo. Dali até a casa da mãe do Freire eram mais uns 20 quilômetros e finalmente chegamos. Foram 03 dias de viagem de Palmas a Mucambo. E tínhamos que voltar. Estávamos a mais de 4000 quilômetros de casa e com dinheiro para encher o tanque mais uma vez e nada mais.
Mucambo - Ceara - Cidade pequena de povo hospitaleiro
Mucambo é uma pequena cidade do interior do Ceará, distante cerca de 60 quilômetros de Sobral e uns 250 de Fortaleza. A ideia era permanecer na cidade somente um dia e partir no dia seguinte, mas não era assim que o Freire pensava. Ele, após me apresentar sua família e seus amigos, foi visitar um parente na Serra do Ubajara, onde se fabrica a melhor pinga do Ceara e me deixou na casa de sua mãe, Dona Francisquinha. Disse que voltaria a tarde, mas ficou por lá uns 04 dias e quando retornou, ainda ficamos em Mucambo mais uns 03 dias. Imagine a situação que eu estava. Com pouca roupa, sem dinheiro e na casa de estranho, dormindo em rede, coisa que nunca havia feito até então. Quem me ajudou muito foi a irmã do Freire, a Selma, que tinha uma escola particular para crianças e era muito conhecida na cidade e nos dias que lá permaneci, ela foi minha guia. Apresentou para todo mundo, até para o Prefeito da Cidade, onde acabei indo almoçar a convite dele. A Selma era envolvida com política e ela acabou sendo eleita vereadora da cidade.
 
Feira na cidade de Mucambo
Não tendo o que fazer naquela pequena cidade, resolvi um dia falar para eles que gostaria de fazer um filé a parmegiana, prato que eles não conheciam, mas para isso eu precisaria comprar na cidade filé mignon, mussarela, molho de tomate e outros temperos. Moleza, pensava eu, creio que vão adorar, pois a carne que se encontrava em todo lugar era a “carne de sol”. Era comum ver nas casas nacos de carne pendurados secando ao sol, como fosse roupas secando no varal.
Assim se prepara a carne de sol
Quando fui a cidade junto com a Selma fazer as comprar, não tinha açougue na cidade, somente na feira você encontrava um boi pendurado e o açougueiro cortava a carne por quilo, sem a preocupação de selecionar a carne. O máximo que consegui foi uns bifes, mas não eram de filé mignon, Era apenas bifes e duros. mussarela não tinha, apenas queijo coalho e também não tinha tomate para fazer o molho. Molho pronto também não se encontrava naquela feira. Como havia prometido, tentei fazer o melhor que pude, mas certamente, eles comeram o filé à parmegiana a nordestino, que não deixou saudades em ninguém.  Em contrapartida, quando Dona Francisquinha fazia a carne de sol, era de lamber os beiços.

Finalmente, o Freire resolveu partir. Tinha conseguido algum dinheiro emprestado com a família e a promessa que a Claudete iria emprestar mais durante o retorno. Nossa primeira parada voltando para Ribeirão Preto, agora vindo pela BR 101 e a partir de Feira de Santana (BA), a BR 116,  foi a cidade de Fortaleza. Ai, oficialmente foi meu último contato com a LTN. Como disse anteriormente, o Manoel havia sido recontratado e agora era responsável pelo escritório que a empresa havia aberto naquela capital.

Fui procura-lo, além de matar a saudades do amigo, tinha no fundo a esperança que ele pudesse interceder junto a empresa para me recontratar também, mas a empresa já tinha mudado e o Manoel já não podia me ajudar, mas lembro de suas palavras na ocasião, que me fizeram pensar.
Fortaleza- O ultimo encontro oficial para falar de LTN
- Luis, disse ele – esquece a LTN, procure outra coisa para fazer. Toque sua vida. Pare de viver de passado. Creio que a partir deste dia, foi que nossa amizade se fortaleceu, pois, sai de Fortaleza ainda sem emprego, com mais dividas, pois agora também estava devendo para o cheque especial do Banco Itaú, mas com uma motivação e uma certeza que alguma coisa boa iria acontecer.

Claudete não estava tão feliz assim quando chegamos de viagem
Terminamos a viagem que era para durar somente uns 04 dias em quase 20 dias. Desnecessário dizer o carinho da Claudete quando de nossa volta. O que garantiu nossa sobrevivência era que o Freire era o marido dela, mas isto não impediu que ela falasse e com razão alhos e bugalhos para ele, e por tabela, para mim também.

Foi minha última viagem, onde tive, mesmo que indiretamente a participação da LTN. Era o sonho que chegava ao fim. Era hora de começar de novo e assim eu fiz. Os amigos foram rareando e os contatos diminuindo até que um dia tudo acabou. Se o Paulo Cesar não tivesse criado a página, talvez eu nunca estaria escrevendo histórias de um passado tão grandioso e generoso, que permanece vivo até os dias de hoje.

Agradeço a todos que tiveram paciência em ler o que consegui lembrar e reconheço que o trabalho poderia ter sido muito mais amplo e detalhado, mas a participação dos colegas foi muito pequena, fiz que pude e resolvi não mais continuar. Fica aqui minha homenagem a todos os membros da página EX-FUNCIONÁRIOS .
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sexta-feira, 14 de abril de 2017

Capitulo 19 – O começo do fim


Capitulo 19 – O começo do fim

Depois de tantos escritos sobre as qualidades das equipes e da grandeza da empresa Editora de Listas Telefônicas Nacional – LTN, que nos mantém unidos até hoje, o que poderia querer alguém deixar um lugar tão bom para trabalhar, onde se oferecia toda infraestrutura para o vendedor desempenhar suas funções com tranquilidade, como alimentação, combustível, bons hotéis e prêmios semanais, além de um excelente salário, muito acima da média pagas por outras empresas? Pessoas! Isso, somente pessoas!
Vida boa! Era quase sempre assim. Pelos menos aos sábados e domingos.
Tem um ditado popular, de Maquiavel, que diz que “se você quer conhecer uma pessoa, dê poder a ela”. Infelizmente isto é verdade e neste capitulo vou contar alguns fatos que ficaram gravados na memória de quem viveu situações terríveis, frutos muitas vezes da insensatez que de quem comandava.


Para não causar desconforto para as pessoas, não citarei nomes dos envolvidos. Com certeza os que lerem o texto, se tiverem participado do evento, poderão comentar ou simplesmente colocar a carapuça e ficar no seu silêncio. Isto aqui não é um tribunal e ninguém está sendo julgado, apenas estarei contando alguns fatos que tive conhecimento, outros que vivi.


Durante os anos que a LTN existiu, a maioria dos seus vendedores eram pessoas experientes, já com boa rodagem, que era até uma exigência para ser contratado, portanto, não era um jardim da infância e coisas aconteciam. Embora ainda no período que relato neste blog, de 1984 a 1989, já não estivéssemos mais no regime militar e a democracia já havia sido estabelecida, mesmo que de forma precária, quando Sarney foi escolhido, após a morte de Tancredo Neves para ser o Presidente do Brasil, e tivemos um momento glorioso, com a famosa deflação nas compras e correção mensal nos salários, pela correção da inflação pelo ORTN, e depois a escassez de comida nos supermercados, de bois sendo mortos nos pastos,  na LTN, ainda prevalecia o regime de patrulhamento. A vida particular das pessoas, que devia interessar somente a ela, era esmiuçada por diversos "patrulheiros", a mando dos gestores maiores.

Um simples jantar entre um vendedor e uma vendedora, era motivo para prestar justificativa, caso o fato chegasse ao conhecimento da empresa e as sanções eram pesadas. Até demissão chegou a acontecer. Era impressionante como as pessoas tinham suas vidas investigadas. Parecia que estavam cuidando de crianças num orfanato e não com pessoas adultas, responsáveis pelos seus atos.
O poder que alguns julgavam ter ultrapassava o limite do bom senso. Muitos, talvez por medo ou incapacidade, usavam o poder para serem respeitado, o que na realidade não era respeito, e sim medo de uma sanção que viesse a prejudicar o vendedor em questão.

Teve um incidente em Recife, quando uma vendedora teve problema de saúde na família. Sua irmã havia sido atropelada e por acaso era período de carnaval, sua ida para visitar sua irmã foi proibida pelos seus chefes, pois não acreditavam na versão contada. Ela acabou indo mesmo assim, mas teve que trazer atestado médico, copias das radiografias para não ser demitida. Era muito desmando.

Saindo do Inferno
Conta uma colega nossa que trabalhava com um determinado supervisor, que por não ter identificação pessoal com ela, fazia de tudo para desqualificar o seu trabalho, cancelando contratos por qualquer motivo, que a levou pedir demissão da empresa, depois de muitos anos de excelentes serviços prestados. A gerencia até tentou dissuadia-la da ideia, mas a última gota do copo já havia caído e agora já estava escorrendo pelas beiradas e ela deixou a empresa numa campanha em andamento na cidade do Rio de Janeiro. Ela conta, que quando voltava para casa, ainda na Via Dutra, quando olhou pelo retrovisor viu uma grande nuvem preta e a sua frente, um lindo céu azul. Ela interpretou como deixando o inferno e entrando para o paraíso. O que não deixava de ser verdade.

Havia muita injustiça, muito desmandos, muita interferência na vida pessoal das pessoas e a política da empresa estava mudando. O grande carro chefe da empresa, que era o GBT estava chegando ao fim, tanto que sua última comercialização foi em 1990, quando o Brasil enfrentava uma grande recessão e com a eleição do Fernando Collor, o caldo entornou de vez e a LTN deixou de existir, passando a partir de então ser EPIL, mas desta etapa sei muito pouco, pois não cheguei a viver este momento.

Collor e Zélia. Que não perdeu com eles?
Às vezes, tempos depois, me questionava sobre minha saída da empresa. Eu tinha um bom relacionamento com os vendedores, não tinha nenhum problema pessoal com ninguém, interagia bem com os supervisores e com a gerencia, mas mesmo assim, pedi demissão. Parece insano, mas não foi.

Como disse, as pessoas não tinham direito a uma vida particular. Tudo era vigiado. Se você fosse visto em algum lugar fora de onde você deveria estar, era questionado o que estava fazendo naquele lugar, com que estava, etc. E isto foi enchendo a paciência e criando força para a formação de um plano para deixar a empresa, mas não sozinho, e sim, um grande grupo, mas teria que ser feito de modo que todos fossem demitidos para poderem sacarem o FGTS.


Haviam diversos vendedores, que por conviverem tanto tempo juntos, acabaram se envolvendo emocionalmente e alguns chegaram até a constituir família. Isto era crime gravíssimo, punido com demissão sumária. Então, começou um plano para que o grupo fosse demitido. Os casais começaram a aparecer em público e provocar os "patrulheiros" de plantão e as demissões começaram a acontecer como previsto. Elas foram acontecendo um a um e 11 dos melhores vendedores que a empresa tinha na época, saíram da LTN num período máximo de 60 dias. Eu ainda continuava na empresa, na ocasião, fazendo a Lista de Osasco, e estava revoltado com a situação e procurei a gerencia e pedi demissão. Ninguém entendeu nada. Mas por que? Perguntavam. Por liberdade, respondia. Já tenho 40 anos e sou dono dos meus atos. Não tenho que ficar pedindo benção para todos até para atravessar a rua. E deixei a empresa. Consegui receber o meu FGTS somente 03 anos depois.

Confesso hoje que não devia ter feito o que fiz, pois eu tinha grande chance de chegar a um cargo de gerencia ou diretoria, mas na época, deixei a emoção falar mais alto.  Anos depois, quando a EPIL publicava uma lista regional, eu fui convidado a voltar. Providenciei toda documentação, mas eu teria que voltar como vendedor. O que eu havia feito de bom no passado não estava sendo considerado. Confesso que não estava satisfeito com a situação, me sentia até humilhado. Era uma espécie de vingança dos que ainda estavam na empresa? Quer voltar? Então volte por baixo. Podia ser que este pensamento não existia, mas era assim que eu via.


Quis o destino, que no mesmo momento que eu iria entrar na EPIL, o vento soprou e me empurrou para outro caminho, que foi laboratório de análises clinicas, mercado que nunca havia então ouvido nada. Nem sabia que havia trabalho para vendedor neste segmento, mas foi onde tudo começou novamente e pude realizar o maior projeto pessoal e profissional da minha vida.


Mas entre a saída da LTN e a minha entrada na WAMA, meu primeiro emprego na área de laboratório, a situação não aconteceu como havia sido imaginado. Sai de uma situação que vivia em hotéis 05 estrelas, podia me dar ao luxo de comer nos melhores restaurantes, comprar melhores roupas, ter um excelente plano de saúde para voltar a viver tempos até piores que em 1984, quando foi admitido pela LTN. Estado de penúria total. Voltei a época do pão com pão e leite condensado e dormir no carro, quando em viagem.

O projeto inicial quando deixei a LTN, foi, em companhia dos vendedores que tinha saído da empresa em bloco  foi montar uma editora e fazer listas telefônicas paralelas, com melhoramentos em relação as listas oficiais, pois nosso projeto previa, além de uma lista de endereços, que as listas oficiais não ofereciam, um mapa detalhado da cidade. No grupo, tínhamos um especialista em montar o trabalho, outro que dominava a informática e os demais iriam fazer vendas de anúncios. Ledo engano. Tão logo o projeto começou, houve necessidade de alguém cuidar da parte financeira, outro da parte administrativa, das compras e o grupo foi ficando tenso. Ninguém mais queria saber de sair para vender. Todos queriam ficar com alguma tarefa administrativa e com isso, a produção começou a ficar afetada, ao ponto de ser necessário contratar diversos vendedores para fazer o trabalho comercial da lista que havia sido criada.
Um sonho que virou pesadelo

Cerca de 06 meses, depois de ser feita com sucesso a lista das cidades de Araraquara e São Carlos, fomos para a cidade de São José do Rio Preto, onde a vaca começou a ficar atolada no Brejo. O que estava sendo vendido já não cobria os custos. Tinha ainda um fator que desequilibrava o projeto. Nas listas oficiais, a cobrança da publicidade era feita diretamente na conta telefônica da Telesp ou Ceterp, com a devida correção da ORTN. No nosso caso, além de não conseguir fazer a cobrança com correção, pois a nossa cobrança era em boleto, tínhamos que enfrentar o outro lado da moeda, que era a confecção da lista. As editoras que chegamos a utilizar na ocasião cobrava preços com as devidas correções da inflação. Daí dá para imaginar o drama que estávamos vivendo. Vendendo anúncios parcelados sem correção e com recebimento via boletos bancários e comprando todos os insumos e serviços com reajustes mensais.

Dizem que miséria pouca é bobagem. Conseguimos, num último suspiro, negociar a comercialização de um guia muito procurado na cidade de Ribeirão Preto, o “Star Guia”. Era uma lista local, já com muitos anos de existência, que caiu no gosto dos comerciantes e pensávamos nós, que agora, este guia iria trazer o equilíbrio financeiro que a empresa precisava para se firmar no mercado, mas aí veio a martelada que faltava para destruir tudo: Collor de Mello assumiu a Presidência do Brasil e seu primeiro ato foi recolher o dinheiro em circulação, numa forma de combater a inflação, que na época já beirava os 90% ao mês. E aí, vender publicidade para quem? Ninguém tinha dinheiro, ninguém pagava ninguém e nós, que éramos um grãozinho de areia numa praia, quebramos e começou a debandada. Dos 11 sócios que a empresa tinha, 07 doaram suas participações para os 04 que ficaram e que tentaram levar a empresa por mais um tempo, mas acabaram fechando. Foi uma pena, pois era um grande projeto, feito com muito carinho, mas em época errada.

O que sobrou da LTN e não era tão bonito assim
Novamente na rua, desempregado, sem trabalho a vista, o que fazer? O carro já não era o mesmo e foi caindo de qualidade e quando consegui um novo emprego, eu estava utilizado um Chevette 1974, azul calcinha, todo caidinho, que fumava mais que o pessoal da Cracolândia em São Paulo.

Na semana que vem, vou publicar o ultimo capitulo da minha participação na LTN e agradeceria se nesta semana recebesse alguma história que vale a pena ser lembrada. Boa Pascoa a todos.



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sexta-feira, 7 de abril de 2017


Capitulo 18 – O sucesso foi somente nosso?

Hoje, passados tantos anos, muitos ainda vivem com os recursos que obtiveram nos tempos da LTN. Não quero dizer que o dinheiro ganho ainda está guardado, mas com certeza serviu para muitos alavancarem seu negócio próprio, comprar uma casa ou várias, se estruturaram em uma nova profissão, ou concluíram um curso universitário. Bem, não importa como usaram o dinheiro que ganharam, mas ele serviu para dar continuidade na vida na época e oxalá, ainda reflita nos dias de hoje.

Quando nos recolhíamos aos nossos apartamentos no final do dia, nos preocupávamos em planejar o dia seguinte, pensando somente no nosso próprio umbigo e a noite quando retornávamos para o atendimento com diversos contratos, era como estivéssemos feitos a nossa obrigação e dali para a frente, o que iria acontecer não era problema seu. Mas era. Será que teríamos ganhado tanto dinheiro se não tivéssemos por trás uma grande equipe de apoio?

Será que teríamos tido tanto sucesso se não tivéssemos na retaguarda a paciência e a criatividade do Jose Carlos Fecuri, o nosso amigo Kaká, que com sua genialidade, era quem dava vida aos nossos pedidos.
- Kaká, preciso que você faça um logotipo, mais ou menos assim – pedia o vendedor e no dia seguinte, como num passe de mágica, tudo que o vendedor havia imaginado e solicitado se materializava e isso representava 50% de uma venda.

Hoje, existem no Brasil, centenas de empresas, para não dizer milhares que usam até hoje layout criados pelo Kaká e sua equipe, entre eles destaco o Beto, um japonês talentoso, que sempre viajava junto com as equipes, a pedido de um vendedor e como agradecíamos isso? Não agradecíamos. Era o trabalho deles. Vendo do ponto de visto puramente administrativo, não havia mesmo necessidade de agradecer nada, pois eles estavam prestando o serviço para o qual foram contratados, mas justiça seja feita, será que teríamos tido tanto sucesso, como tivemos, se não tivéssemos este suporte? Duvido.


Dava orgulho na gente e também no cliente, quando a lista telefônica, já editada era entregue em sua casa ou comércio e ele abria a página onde constava o seu anúncio e orgulhoso, mostrava para os amigos, usava o logotipo que havia sido criado na fachada do seu comércio, nos seus impressos. Apesar de muitos negócios terem sido feitos meio na marra, empurrado ao cliente goela abaixo, não dava para dizer que o trabalho não tinha sido muito bem feito.

Desta pequena caixa que eram criados todos os anuncios das listas.
Dentro desta ótica, hoje, neste capitulo, quero prestar uma homenagem a este grande amigo e parceiro, que foi o Kaká. Pessoa humilde, sempre esteve ao nosso lado. Não recordo de tê-lo visto uma vez sequer mal humorado, indisposto ou sem vontade de ajudar qualquer vendedor, do mais produtivo até o recém contratado. A todos atendia da mesma maneira, com muita paciência e atenção e com os parcos recursos da época, quando computador ainda era coisa de ficção cientifica, fazia sempre o melhor desenho, a melhor arte.

Mas quem é o Kaká?
Kaká, ainda bebê

Bem, José Carlos Fecuri, o nosso Kaká, nasceu na cidade de São José do Rio Pardo, onde o famoso escritor Euclides da Cunha, engenheiro contratado para construir uma ponte metálica sobre o Rio Pardo, que ligaria a cidade aos outros bairros. Esta obra foi tão importante e tão bem planejada, que hoje, anos depois, ainda é imprescindível para os moradores daquela localidade. 
Durante a construção da ponte, Euclides da Cunha, escreveu um dos maiores clássicos da literatura brasileira, “Os Sertões”, o que o imortalizou e tornou a cidade conhecida no mundo todo.

Filho de “Seo” Constantino Fecuri e da “Dona” Lazara, ele teve uma infância tranquila naquela pacata cidade do interior paulista. Alternando entre a cidade e o rancho que seu pai, tinha a beira do Rio Pardo, ele cresceu aprendendo a gostar de música e aprendeu “de ouvido” a tocar gaita.
Seu pai era musico e tocava violão e juntava com seu tio Elias Fecuri, exímio tocador de violino e outros amigos, na maioria músicos e sempre nos finais de semana iam fazer serestas ou tocavam num programa da Rádio Difusora de São José do Rio Pardo.  Era uma brincadeira seria, pois escreviam partituras e suas presenças eram muito solicitadas. Crescendo neste ambiente, não podia acontecer outra coisa: O Kaká acabou indo trabalhar na Rádio Difusora como Disk Jockey, hoje conhecido apenas como DF.

Mas dá para acrescentar à história do Kaká a figura de um caçador? Para quem conviveu com ele tantos anos, vendo aquele rapaz magrinho, sempre quietinho no seu canto, fica difícil imaginar ele como caçador, mas, realmente ele saia sempre com seu avô para caçar anta e capivara, que estragava toda a plantação de uma propriedade em Santa Maria do Rio Verde. Quando chegavam a matar algum bicho, imediatamente se preparava um belo churrasco.


Lazara Fecuri e seu filho
De sua mãe Lazara Fecuri, Kaká herdou a habilidade da gastronomia. Ela sendo uma grande quituteira, ensinou ao filho todos os segredos de uma boa comida, principalmente comida árabe, como tabule, quibe e outras delicias.
Assim a vida seguiu durante toda sua infância e juventude. Mas sua habilidade em desenhar já havia brotado em sua alma e ele resolveu estudar para se desenvolver nesta área. 





O caminho era São Paulo e o destino escolhido inicialmente foi a Faculdade de Belas Artes, mas depois de um tempo, se transferiu para a Escola Panamericana de Artes, a maior referência na área naquela época, onde ele contava com a instruções de grandes mestres europeus. Lá ele desenvolveu a arte de desenhar e dar magia as cores e seu talento, quis o destino que assim fosse, fosse descoberto por acaso. Vejam que interessante e como o destino conspira a favor. 
Ainda na LTB, na Cincinato Braga
Sua vizinha de apartamento, chamava-se Iris, era assistente social da LTB e vendo os desenhos do Kaká o convidou para uma entrevista de emprego na LTB para o cargo de desenhista. Foi aprovado imediatamente e era o início da sua profissão, isto em 1973. A LTB foi para ele uma grande escola, pois todos os desenhistas da empresa faziam quadros para serem vendidos aos domingos na tradicional feira de artesanato da Praça da República. 

Na LTB permaneceu por 01 ano e meio e para melhorar o salário, trabalhava como freelance, na Disney Infantil, fazendo a coloração dos desenhos. Creio que vimos muitos gibis do Pato Donald, Mickey, Tio Patinhas, Pateta e outros feitos pelo Kaká. Na LTB, ele teve o prazer de realizar sua primeira viagem interestadual e voar pela primeira vez. Foi escalado para trabalhar em Recife e na sua volta a São Paulo, sua vida começou a mudar.

Tinha uma pequena empresa no segmento de lista telefônica, com o nome de ORNASA (Organização Nacional AS), que meses depois virou LTN que abrira uma vaga para layoutista. Após os testes, ele foi contratado para cobrir a vaga de um amigo, também layoutista, que iria se casar e não queria ir trabalhar no Ceará, onde a LTN estava abrindo um escritório. Em Fortaleza, ele morou por vários meses,  na Praia de Mucuripe, em apartamento mobiliado, tudo pago pela empresa e tinha como companheiro o Mauricio Vezzo.
Praia de Mucuripe - Fortaleza.
Para ter uma ideia da capacidade de criação e fidelidade ao trabalho e a empresa, ele foi admitido pela ORNASA em março de 1974 e deixou a empresa, que passou a se chamar LTN e depois EPIL, somente em outubro de 2016, quando, por redução das atividades e ele deixou a empresa. Foram 42 anos fazendo arte e sendo degrau na escada do sucesso de centenas de vendedores que chegaram ao topo da carreira através da sua arte.

Parece que a arte de desenhar é um vício que quanto mais faz, mais se quer fazer. Ele tinha uma coluna diária no “O Diário de Ribeirão Preto”, onde por mais de 13 anos, publicou suas charges. No início, ainda em Fortaleza, enviava seus trabalhos via correio e posteriormente, com a chegada a Internet, seus desenhos eram enviados ao jornal via e-mail.
 Capa aberta da revista Fecuri Carttos, com pesquisa em de 5.000 charges originais em p&b, publicado no Jornal "O Diário de Ribeirão" durante 13 anos
Ele criou sua própria revista a “Fecuri Cartoon”. E fez tudo sozinho. Desenhou, pintou, encadernou, grampeou, distribuiu, vendeu, recebeu. Se valeu a pena do ponto de vista econômico ele não conta, mas que deu muito, mas muito trabalho, isto ele afirma categoricamente.
Este é um breve relato do José Carlos Fecuri, o nosso Kaká, pessoa que passou ao lado de nossas vidas por anos e anos nos ajudando a ganhar dinheiro e aqui quero deixar meus agradecimentos por tudo que faz por nós. Kaká, foi é especial. Abaixo alguns quadros que ele fez ao longo de sua carreira.





QUADRO EM AERÓGRAFO

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