sexta-feira, 14 de abril de 2017

Capitulo 19 – O começo do fim


Capitulo 19 – O começo do fim

Depois de tantos escritos sobre as qualidades das equipes e da grandeza da empresa Editora de Listas Telefônicas Nacional – LTN, que nos mantém unidos até hoje, o que poderia querer alguém deixar um lugar tão bom para trabalhar, onde se oferecia toda infraestrutura para o vendedor desempenhar suas funções com tranquilidade, como alimentação, combustível, bons hotéis e prêmios semanais, além de um excelente salário, muito acima da média pagas por outras empresas? Pessoas! Isso, somente pessoas!
Vida boa! Era quase sempre assim. Pelos menos aos sábados e domingos.
Tem um ditado popular, de Maquiavel, que diz que “se você quer conhecer uma pessoa, dê poder a ela”. Infelizmente isto é verdade e neste capitulo vou contar alguns fatos que ficaram gravados na memória de quem viveu situações terríveis, frutos muitas vezes da insensatez que de quem comandava.


Para não causar desconforto para as pessoas, não citarei nomes dos envolvidos. Com certeza os que lerem o texto, se tiverem participado do evento, poderão comentar ou simplesmente colocar a carapuça e ficar no seu silêncio. Isto aqui não é um tribunal e ninguém está sendo julgado, apenas estarei contando alguns fatos que tive conhecimento, outros que vivi.


Durante os anos que a LTN existiu, a maioria dos seus vendedores eram pessoas experientes, já com boa rodagem, que era até uma exigência para ser contratado, portanto, não era um jardim da infância e coisas aconteciam. Embora ainda no período que relato neste blog, de 1984 a 1989, já não estivéssemos mais no regime militar e a democracia já havia sido estabelecida, mesmo que de forma precária, quando Sarney foi escolhido, após a morte de Tancredo Neves para ser o Presidente do Brasil, e tivemos um momento glorioso, com a famosa deflação nas compras e correção mensal nos salários, pela correção da inflação pelo ORTN, e depois a escassez de comida nos supermercados, de bois sendo mortos nos pastos,  na LTN, ainda prevalecia o regime de patrulhamento. A vida particular das pessoas, que devia interessar somente a ela, era esmiuçada por diversos "patrulheiros", a mando dos gestores maiores.

Um simples jantar entre um vendedor e uma vendedora, era motivo para prestar justificativa, caso o fato chegasse ao conhecimento da empresa e as sanções eram pesadas. Até demissão chegou a acontecer. Era impressionante como as pessoas tinham suas vidas investigadas. Parecia que estavam cuidando de crianças num orfanato e não com pessoas adultas, responsáveis pelos seus atos.
O poder que alguns julgavam ter ultrapassava o limite do bom senso. Muitos, talvez por medo ou incapacidade, usavam o poder para serem respeitado, o que na realidade não era respeito, e sim medo de uma sanção que viesse a prejudicar o vendedor em questão.

Teve um incidente em Recife, quando uma vendedora teve problema de saúde na família. Sua irmã havia sido atropelada e por acaso era período de carnaval, sua ida para visitar sua irmã foi proibida pelos seus chefes, pois não acreditavam na versão contada. Ela acabou indo mesmo assim, mas teve que trazer atestado médico, copias das radiografias para não ser demitida. Era muito desmando.

Saindo do Inferno
Conta uma colega nossa que trabalhava com um determinado supervisor, que por não ter identificação pessoal com ela, fazia de tudo para desqualificar o seu trabalho, cancelando contratos por qualquer motivo, que a levou pedir demissão da empresa, depois de muitos anos de excelentes serviços prestados. A gerencia até tentou dissuadia-la da ideia, mas a última gota do copo já havia caído e agora já estava escorrendo pelas beiradas e ela deixou a empresa numa campanha em andamento na cidade do Rio de Janeiro. Ela conta, que quando voltava para casa, ainda na Via Dutra, quando olhou pelo retrovisor viu uma grande nuvem preta e a sua frente, um lindo céu azul. Ela interpretou como deixando o inferno e entrando para o paraíso. O que não deixava de ser verdade.

Havia muita injustiça, muito desmandos, muita interferência na vida pessoal das pessoas e a política da empresa estava mudando. O grande carro chefe da empresa, que era o GBT estava chegando ao fim, tanto que sua última comercialização foi em 1990, quando o Brasil enfrentava uma grande recessão e com a eleição do Fernando Collor, o caldo entornou de vez e a LTN deixou de existir, passando a partir de então ser EPIL, mas desta etapa sei muito pouco, pois não cheguei a viver este momento.

Collor e Zélia. Que não perdeu com eles?
Às vezes, tempos depois, me questionava sobre minha saída da empresa. Eu tinha um bom relacionamento com os vendedores, não tinha nenhum problema pessoal com ninguém, interagia bem com os supervisores e com a gerencia, mas mesmo assim, pedi demissão. Parece insano, mas não foi.

Como disse, as pessoas não tinham direito a uma vida particular. Tudo era vigiado. Se você fosse visto em algum lugar fora de onde você deveria estar, era questionado o que estava fazendo naquele lugar, com que estava, etc. E isto foi enchendo a paciência e criando força para a formação de um plano para deixar a empresa, mas não sozinho, e sim, um grande grupo, mas teria que ser feito de modo que todos fossem demitidos para poderem sacarem o FGTS.


Haviam diversos vendedores, que por conviverem tanto tempo juntos, acabaram se envolvendo emocionalmente e alguns chegaram até a constituir família. Isto era crime gravíssimo, punido com demissão sumária. Então, começou um plano para que o grupo fosse demitido. Os casais começaram a aparecer em público e provocar os "patrulheiros" de plantão e as demissões começaram a acontecer como previsto. Elas foram acontecendo um a um e 11 dos melhores vendedores que a empresa tinha na época, saíram da LTN num período máximo de 60 dias. Eu ainda continuava na empresa, na ocasião, fazendo a Lista de Osasco, e estava revoltado com a situação e procurei a gerencia e pedi demissão. Ninguém entendeu nada. Mas por que? Perguntavam. Por liberdade, respondia. Já tenho 40 anos e sou dono dos meus atos. Não tenho que ficar pedindo benção para todos até para atravessar a rua. E deixei a empresa. Consegui receber o meu FGTS somente 03 anos depois.

Confesso hoje que não devia ter feito o que fiz, pois eu tinha grande chance de chegar a um cargo de gerencia ou diretoria, mas na época, deixei a emoção falar mais alto.  Anos depois, quando a EPIL publicava uma lista regional, eu fui convidado a voltar. Providenciei toda documentação, mas eu teria que voltar como vendedor. O que eu havia feito de bom no passado não estava sendo considerado. Confesso que não estava satisfeito com a situação, me sentia até humilhado. Era uma espécie de vingança dos que ainda estavam na empresa? Quer voltar? Então volte por baixo. Podia ser que este pensamento não existia, mas era assim que eu via.


Quis o destino, que no mesmo momento que eu iria entrar na EPIL, o vento soprou e me empurrou para outro caminho, que foi laboratório de análises clinicas, mercado que nunca havia então ouvido nada. Nem sabia que havia trabalho para vendedor neste segmento, mas foi onde tudo começou novamente e pude realizar o maior projeto pessoal e profissional da minha vida.


Mas entre a saída da LTN e a minha entrada na WAMA, meu primeiro emprego na área de laboratório, a situação não aconteceu como havia sido imaginado. Sai de uma situação que vivia em hotéis 05 estrelas, podia me dar ao luxo de comer nos melhores restaurantes, comprar melhores roupas, ter um excelente plano de saúde para voltar a viver tempos até piores que em 1984, quando foi admitido pela LTN. Estado de penúria total. Voltei a época do pão com pão e leite condensado e dormir no carro, quando em viagem.

O projeto inicial quando deixei a LTN, foi, em companhia dos vendedores que tinha saído da empresa em bloco  foi montar uma editora e fazer listas telefônicas paralelas, com melhoramentos em relação as listas oficiais, pois nosso projeto previa, além de uma lista de endereços, que as listas oficiais não ofereciam, um mapa detalhado da cidade. No grupo, tínhamos um especialista em montar o trabalho, outro que dominava a informática e os demais iriam fazer vendas de anúncios. Ledo engano. Tão logo o projeto começou, houve necessidade de alguém cuidar da parte financeira, outro da parte administrativa, das compras e o grupo foi ficando tenso. Ninguém mais queria saber de sair para vender. Todos queriam ficar com alguma tarefa administrativa e com isso, a produção começou a ficar afetada, ao ponto de ser necessário contratar diversos vendedores para fazer o trabalho comercial da lista que havia sido criada.
Um sonho que virou pesadelo

Cerca de 06 meses, depois de ser feita com sucesso a lista das cidades de Araraquara e São Carlos, fomos para a cidade de São José do Rio Preto, onde a vaca começou a ficar atolada no Brejo. O que estava sendo vendido já não cobria os custos. Tinha ainda um fator que desequilibrava o projeto. Nas listas oficiais, a cobrança da publicidade era feita diretamente na conta telefônica da Telesp ou Ceterp, com a devida correção da ORTN. No nosso caso, além de não conseguir fazer a cobrança com correção, pois a nossa cobrança era em boleto, tínhamos que enfrentar o outro lado da moeda, que era a confecção da lista. As editoras que chegamos a utilizar na ocasião cobrava preços com as devidas correções da inflação. Daí dá para imaginar o drama que estávamos vivendo. Vendendo anúncios parcelados sem correção e com recebimento via boletos bancários e comprando todos os insumos e serviços com reajustes mensais.

Dizem que miséria pouca é bobagem. Conseguimos, num último suspiro, negociar a comercialização de um guia muito procurado na cidade de Ribeirão Preto, o “Star Guia”. Era uma lista local, já com muitos anos de existência, que caiu no gosto dos comerciantes e pensávamos nós, que agora, este guia iria trazer o equilíbrio financeiro que a empresa precisava para se firmar no mercado, mas aí veio a martelada que faltava para destruir tudo: Collor de Mello assumiu a Presidência do Brasil e seu primeiro ato foi recolher o dinheiro em circulação, numa forma de combater a inflação, que na época já beirava os 90% ao mês. E aí, vender publicidade para quem? Ninguém tinha dinheiro, ninguém pagava ninguém e nós, que éramos um grãozinho de areia numa praia, quebramos e começou a debandada. Dos 11 sócios que a empresa tinha, 07 doaram suas participações para os 04 que ficaram e que tentaram levar a empresa por mais um tempo, mas acabaram fechando. Foi uma pena, pois era um grande projeto, feito com muito carinho, mas em época errada.

O que sobrou da LTN e não era tão bonito assim
Novamente na rua, desempregado, sem trabalho a vista, o que fazer? O carro já não era o mesmo e foi caindo de qualidade e quando consegui um novo emprego, eu estava utilizado um Chevette 1974, azul calcinha, todo caidinho, que fumava mais que o pessoal da Cracolândia em São Paulo.

Na semana que vem, vou publicar o ultimo capitulo da minha participação na LTN e agradeceria se nesta semana recebesse alguma história que vale a pena ser lembrada. Boa Pascoa a todos.



Nenhum comentário:

Postar um comentário