O vendedor de sonhos

Homenagem a uma historia vivida por centenas de pessoas inesquecíveis que partilhavam os mesmos sonhos, os mesmos ideais.

terça-feira, 25 de abril de 2017

Capitulo 20 – Linha de chegada

Capitulo 20 – Linha de chegada

Com o fechamento do Editora Paulista, onde havíamos publicado a Agenda Comercial de São Carlos, Araraquara, São José do Rio Preto e o Star Guia de Ribeirão Preto, a situação estava cada vez mais complicada do ponto de vista financeiro. Ainda restava um pouco de dinheiro no Banco Itaú, um cheque especial, mas não tinha trabalho.

Literalmente a situação estava tão crítica, que não conseguia enxergar uma solução. Ainda mantinha contato com a Pinnati, Claudete, Silva de Ribeirão Preto e por conta disso, para clarear as ideias, passava muitos dias na chácara que a Claudete tinha em Brodósqui, a terra de Portinari,  mas trabalhar que era bom até aquele momento nada. Mil pensamentos e nenhuma ação.
Palacio Anhanguera - Sede do Governo de Palmas
Naquele ano, Palmas, capital de Tocantins, estava completando 10 anos de existência e ficamos sabendo que estavam contratando muita gente, que havia muitas oportunidades para empreendedores e a ideia de ir até lá passou a ser a conversa do momento. A Claudete estava casada com o Freire e ele também estava na mesma situação que eu. Havia sido demitido da LTN e também procurava trabalho. Conversa aqui, conversa ali e finalmente decidimos ir a Palmas a procura de uma oportunidade de trabalho ou negócio. O proposito era sair dali com alguma coisa arrumada.
 
Assim era Palmas quando a visitamos em 1992.
Fomos com um carro que a Claudete tinha, um Fiat Uno. A viagem até Palmas foi tranquila, sem nenhum incidente. Quando chegamos à Capital do Tocantins tivemos um misto de decepção e expectativa. A cidade era um canteiro de obra. O Governo funcionava em barracões feitos de madeira e tudo ainda era precário. Hotel, restaurantes, postos de gasolina, enfim, tudo estava funcionando a meia boca e os preços estavam na estratosfera.

Ficamos em Palmas dois dias. Visitamos diversas empresas, fomos a Secretária do Desenvolvimento de Palmas e lá descobrimos que se tivéssemos uma propriedade para dar como garantia, conseguiríamos levantar junto ao BASA – Banco da Amazônia AS, valores que permitiriam comprar fazendas, montar industrias ou investir num grande comercio. Era muito dinheiro à disposição, mas nós estávamos duros. Não tínhamos o que oferecer. Até tentei fazer parceria com algum empresário de São Carlos, mas não obtive êxito.

Chegamos à conclusão que Palmas, embora fosse uma terra de oportunidade, nós não tínhamos dinheiro para investir e as vagas que haviam no mercado era para serviço braçal, como pedreiros, carpinteiros, ajudantes, que não era o nosso objetivo e resolvemos abortar a ideia e voltar para Ribeirão Preto. Só que não. Freire é cearense e fazia alguns anos que não via sua família e disse que se eu concordasse, ele queria aproveitar que já estávamos no meio do caminho, fossemos até o Ceará, na cidade de Mucambo, visitar sua família. Discutimos sobre ir ou não, mas acabei concordando, pois o espirito de aventura falava mais alto e eu tinha oportunidade de passar em Fortaleza e conversar com o Manoel, que nesta altura, tinha voltado a trabalhar na LTN, como responsável do escritório que a firma havia aberto naquela cidade.
Travessia do Rio Tocantins
A viagem dali para frente foi uma aventura. O primeiro desafio foi atravessar o Rio Tocantins. Depois de sair de Palmas, tínhamos que voltar a rodovia que levava a divisa de Tocantins ao Maranhão. Tínhamos duas opção: voltar até Porto Nacional e dali para a Rodovia, que representava quase 200 quilômetros ou ir por Paraíso, mas tínhamos que atravessar de balsa o Rio Tocantins. Foi uma travessia demorada. Ficamos mais de meio dia na fila e chegamos do outro lado do rio já no começo da noite. A cidade tinha um nome muito sugestivo, embora não fizesse jus: Paraíso. 

A beira da Rodovia Belém Brasília, era uma cidade bem pequena na época, praticamente um ponto de parada da balsa que fazia travessia do Rio Tocantins. Nossa ideia era dormir em Paraíso e sair cedo no dia seguinte, mas devido à falta de estrutura da cidade, resolvemos seguir viagem noite adentro e a duras penas, muito cansado, conseguimos chegar já por volta de 02:00 horas na cidade de Imperatriz, já no Estado do Maranhão. Conseguimos uma pensão para passar a noite e no dia seguinte, fomos dar conta de onde realmente estávamos.

Imperatriz - Porta de entrada do Estado do Maranhão
Era a primeira vez que eu e o Freire passávamos por aquelas bandas e não tínhamos a menor ideia do que viria pela frente, mas o que ficou para trás foi inesquecível. Uma estrada de péssima qualidade, com muitos buracos no asfalto e praticamente nenhum ponto de apoio. De acordo com o que víamos no mapa, teríamos que atravessar o Estado do Maranhão, parte do Piauí e finalmente chegar no Ceará. Isto era muito mais que havíamos planejado. O dinheiro estava muito curto para concluir a viagem e tivemos que apelar para a Claudete e sacar o resto do dinheiro que eu tinha do cheque especial do Banco Itaú. Ainda assim, teríamos que conseguir dinheiro com a família do Freire, tão logo chegássemos a Mucambo, caso contrário, o dinheiro não daria para concluir a viagem.
Só uma ponte separa Timon de Teresina
Atravessar o Estado do Maranhão e chegar na cidade de Teresina foi o dia todo de viagem. Quando chegamos na cidade de Timon, a que faz divisa com o estado do Piauí e fica separada de Teresina apenas por uma ponte, fomos parados por uma blitz policial, que nos prendeu por mais de 03 horas, tudo por causa de uma lanterna que estava queimada. Maior sacanagem. Tenho impressão que o soldado não foi com nossa cara, pois era uma pequena infração de transito e não havia necessidade daquilo tudo. Quando ele se cansou de ver nossa cara, liberou nossa passagem, mas já havia anoitecido.
Não era essa, mas a situação era parecida.
Como o dinheiro estava contado, dava apenas para a gasolina, resolvemos seguir em frente, pois segundo o Freire, estávamos a menos de 200 quilômetros de Mucambo. Seguimos então a viagem por mais uns 50 quilômetros, quando deparamos com um movimento na pista, com vários carros e caminhões parados, O motivo tinha sido a quebra de uma ponte. Ela literalmente havia desabado e não tinha como passar. Sob ela, passava um riacho, onde tinha um grupo de pessoas que empurravam os carros através do riacho até o outro lado em troca de algum dinheiro. Funcionava com carro pesado, mas vimos um carro leve como o nosso tentar passar e a força da água o arrastou por um trecho e foi muito difícil trazer o carro de volta. Tomamos a decisão de não arriscar, afinal o carro que estávamos era da Claudete e se acontecesse alguma coisa, não iria ser fácil explicar. 

Então, resolvemos contornar e passar por outra estrada e com isso, rodamos mais uns 80 quilômetros até voltar na estrada que liga o Piauí ao Ceará e quando raiava o dia, vimos a placa de entrada para Mucambo. Dali até a casa da mãe do Freire eram mais uns 20 quilômetros e finalmente chegamos. Foram 03 dias de viagem de Palmas a Mucambo. E tínhamos que voltar. Estávamos a mais de 4000 quilômetros de casa e com dinheiro para encher o tanque mais uma vez e nada mais.
Mucambo - Ceara - Cidade pequena de povo hospitaleiro
Mucambo é uma pequena cidade do interior do Ceará, distante cerca de 60 quilômetros de Sobral e uns 250 de Fortaleza. A ideia era permanecer na cidade somente um dia e partir no dia seguinte, mas não era assim que o Freire pensava. Ele, após me apresentar sua família e seus amigos, foi visitar um parente na Serra do Ubajara, onde se fabrica a melhor pinga do Ceara e me deixou na casa de sua mãe, Dona Francisquinha. Disse que voltaria a tarde, mas ficou por lá uns 04 dias e quando retornou, ainda ficamos em Mucambo mais uns 03 dias. Imagine a situação que eu estava. Com pouca roupa, sem dinheiro e na casa de estranho, dormindo em rede, coisa que nunca havia feito até então. Quem me ajudou muito foi a irmã do Freire, a Selma, que tinha uma escola particular para crianças e era muito conhecida na cidade e nos dias que lá permaneci, ela foi minha guia. Apresentou para todo mundo, até para o Prefeito da Cidade, onde acabei indo almoçar a convite dele. A Selma era envolvida com política e ela acabou sendo eleita vereadora da cidade.
 
Feira na cidade de Mucambo
Não tendo o que fazer naquela pequena cidade, resolvi um dia falar para eles que gostaria de fazer um filé a parmegiana, prato que eles não conheciam, mas para isso eu precisaria comprar na cidade filé mignon, mussarela, molho de tomate e outros temperos. Moleza, pensava eu, creio que vão adorar, pois a carne que se encontrava em todo lugar era a “carne de sol”. Era comum ver nas casas nacos de carne pendurados secando ao sol, como fosse roupas secando no varal.
Assim se prepara a carne de sol
Quando fui a cidade junto com a Selma fazer as comprar, não tinha açougue na cidade, somente na feira você encontrava um boi pendurado e o açougueiro cortava a carne por quilo, sem a preocupação de selecionar a carne. O máximo que consegui foi uns bifes, mas não eram de filé mignon, Era apenas bifes e duros. mussarela não tinha, apenas queijo coalho e também não tinha tomate para fazer o molho. Molho pronto também não se encontrava naquela feira. Como havia prometido, tentei fazer o melhor que pude, mas certamente, eles comeram o filé à parmegiana a nordestino, que não deixou saudades em ninguém.  Em contrapartida, quando Dona Francisquinha fazia a carne de sol, era de lamber os beiços.

Finalmente, o Freire resolveu partir. Tinha conseguido algum dinheiro emprestado com a família e a promessa que a Claudete iria emprestar mais durante o retorno. Nossa primeira parada voltando para Ribeirão Preto, agora vindo pela BR 101 e a partir de Feira de Santana (BA), a BR 116,  foi a cidade de Fortaleza. Ai, oficialmente foi meu último contato com a LTN. Como disse anteriormente, o Manoel havia sido recontratado e agora era responsável pelo escritório que a empresa havia aberto naquela capital.

Fui procura-lo, além de matar a saudades do amigo, tinha no fundo a esperança que ele pudesse interceder junto a empresa para me recontratar também, mas a empresa já tinha mudado e o Manoel já não podia me ajudar, mas lembro de suas palavras na ocasião, que me fizeram pensar.
Fortaleza- O ultimo encontro oficial para falar de LTN
- Luis, disse ele – esquece a LTN, procure outra coisa para fazer. Toque sua vida. Pare de viver de passado. Creio que a partir deste dia, foi que nossa amizade se fortaleceu, pois, sai de Fortaleza ainda sem emprego, com mais dividas, pois agora também estava devendo para o cheque especial do Banco Itaú, mas com uma motivação e uma certeza que alguma coisa boa iria acontecer.

Claudete não estava tão feliz assim quando chegamos de viagem
Terminamos a viagem que era para durar somente uns 04 dias em quase 20 dias. Desnecessário dizer o carinho da Claudete quando de nossa volta. O que garantiu nossa sobrevivência era que o Freire era o marido dela, mas isto não impediu que ela falasse e com razão alhos e bugalhos para ele, e por tabela, para mim também.

Foi minha última viagem, onde tive, mesmo que indiretamente a participação da LTN. Era o sonho que chegava ao fim. Era hora de começar de novo e assim eu fiz. Os amigos foram rareando e os contatos diminuindo até que um dia tudo acabou. Se o Paulo Cesar não tivesse criado a página, talvez eu nunca estaria escrevendo histórias de um passado tão grandioso e generoso, que permanece vivo até os dias de hoje.

Agradeço a todos que tiveram paciência em ler o que consegui lembrar e reconheço que o trabalho poderia ter sido muito mais amplo e detalhado, mas a participação dos colegas foi muito pequena, fiz que pude e resolvi não mais continuar. Fica aqui minha homenagem a todos os membros da página EX-FUNCIONÁRIOS .
Postado por Desafio fora do padrão às 08:13
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