Eu
sempre gostei de ler. Devo este gosto ao meu tio Nicola, que desde a minha
infância, sempre me presenteava com livros e revistas e embora eu ainda lesse
com muita dificuldade, ele pacientemente, lia para mim. Lembro que quando eu
terminei o curso primário, ele me deu de presente um livros chamado “Anuários
da Seleções”. Era um livro grande, com muitas fotografias e este livro me
acompanhou por muitos anos. A medida que minha leitura ia melhorando, também
melhorava o meu entendimento do que o livro dizia. Era uma coletânea das
publicações daquele ano da famosa revista Seleções do Reader’s Digest.
Com
o passar dos anos, fui me aprofundando no mundo literário, li tudo de Julio
Verne, Agatha Cristhie, José Mauro de Vasconcelos, José Lins do Rego, José de
Alencar e outros autores. Certa dia, conversando com meu tio, ele me contou a
historia de uma ferrovia que foi construída a partir do final de 1880, pelos
ingleses, para fazer o escoamento da produção da borracha para a Europa. Esta
ferrovia saia de Porto Velho e ia até o município de Guajará-Mirim, onde as
cachoeiras do Rio Madeira já tinham acabado. Me encantei com esta historia e
anos depois eis que encontro o livro Ferrovia da Morte – Madeira Mamoré. Li o
livro muito rapidamente, e tudo que eu havia ouvido se confirmou na narrativa
do autor, mas vou reproduzir abaixo um pouco desta historia que poucos
conhecem.
‘Devido ao alto preço da borracha no mercado
mundial, a ocupação do Vale do Guaporé pelos portugueses levou a região do alto
Madeira a Mamoré a intensificar a produção da colheita do látex. A ligação que
ia do Mato Grosso ao Atlântico, através dos rios Guaporé, Mamoré, Madeira e
Amazonas, era o percurso realizado no escoamento da produção comercial do
Brasil e da Bolívia. A ideia de construir uma ferrovia surgiu em 1861, mas
somente em 1877 é assinada Madeira – Mamoré Railway Co., um empreendimento
incorporado pelos irmãos americanos Philips e Thomas Collins. Da Filadélfia, no
ano de 1878, partiram engenheiros e demais trabalhadores junto com toneladas de
máquinas, ferramentas e carvão mineral. Dada a insalubridade do local
aliada à falta de alimentação, o único saldo positivo foi a construção de
sete quilômetros de trilhos assentados. Vencidos pelas doenças e pela fome,
foram poucos os trabalhadores que sobreviveram. A partir de janeiro de 1879,
com a falência da empresa Collins decretada, não havia mais o que fazer. Com a
assinatura do Tratado de Petrópolis em 17 de novembro de 1903 entre a Bolívia e
o Brasil, o Estado do Acre, que à época se fazia uma região pertencente à
Bolívia, formalizou-se incorporado ao território brasileiro. Com esse acordo, o
Brasil pagou à Bolívia dois milhões de libras esterlinas, cedeu algumas terras
do Amazonas e se comprometeu com a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré,
com o seu trajeto desde o porto de Santo Antônio, no rio Madeira, até
Guajará-Mirim, no Mamoré, com um ramal chegando à Vila Bela, Bolívia, o que
permitiria o uso de ambos os países com direito às mesmas franquias e tarifas.
O Brasil ficava obrigado a construir a estrada de ferro no prazo máximo de
quatro anos. Com a concorrência vendida ao americano Percival Farquhar, foi
adotado o mesmo nome usado pelos irmãos Collins: Madeira Mamoré Railway Co..
Saíram de Nova York em 1907. A partir do ano de 1909, quando a ferrovia já
contava com 74 km construídos. A Estrada de Ferro Madeira – Mamoré estava
inaugurada em 1912. No entanto a Bolívia, nesse ano, já chegava ao Pacífico por
duas ferrovias e estava sendo concluída a sua ligação com o Atlântico, pela Argentina.
O canal do Panamá estaria concluído dentro de três anos e, com isso, a Madeira
– Mamoré só daria lucro nos dois primeiros anos de atividades, pois a produção
ordenada dos seringais do Oriente fariam cair o preço da borracha no comércio
internacional. Com a falência de Percival Farquar, os investidores ingleses e
canadenses foram obrigados a assumir a administração da ferrovias, o que
fizeram até o ano de 1931. Em 1937, Aluízio Pinheiro Ferreira, a mando de
Getúlio Vargas, assume a direção da ferrovia, que permaneceu em atividade até
1966. Depois de 54 anos de atividade, acumulando prejuízos durante esse tempo,
Humberto de Alencar Castelo Branco determina a erradicação da Estrada de Ferro
Madeira – Mamoré que seria substituída por uma rodovia. Atualmente, o que
restou da ferrovia é um trecho recuperado que atinge a vila de Teotônio. Por
falta de recursos para manutenção, o trem trafega apenas no primeiro trecho,
mesmo assim, precariamente‘ (Site da Fundação Biblioteca
Nacional).
Eu
sempre tive em pensamento um dia conhecer a Ferrovia Madeira Mamoré, mas dada a
distância e a falta de atividade, o meu sonho esta cada vez mais difícil de ser
realizado, até o dia que o Pardini entrou na minha vida. Eu fui contratado para
montar um equipe de vendas em todo o Brasil e ai estava minha oportunidade de
matar dois coelhos com uma só cajadada.
Eu
havia saído de viagem para resolver um problema em Campo Grande e aproveitei a
viagem e fui até Cuiabá, onde fiquei mais alguns dias. Lá eu já tinha contratado
uma biomédica, Dra, Inês, que era a responsável pelo Hospital Julio Müller, um
hospital universitário e publico, que vivia lotado dia e noite. De lá vinha
praticamente toda a rotina da cidade. Numa noite, no hotel, comecei a estudar o mapa do Brasil e vi que Porto
Velho estava mais perto de mim, do que nunca esteve antes. Apenas 1500
quilometros.
Liguei
no dia seguinte para Belo Horizonte e conversei com o Gerente de Apoio, meu
amigo Jorge Goston e ele me autorizou a implantar a região. Dias depois, me
despedi do pessoal de Cuiabá e rumei com destino a Porto Velho. Não tinha a
menor ideia do iria encontrar pela frente, o estado das estradas, postos de
combustíveis, alimentação. Enchi o tanque e encarei o desafio. A primeira
parada foi na cidade Cáceres. Local muito bonito, explorado pelo turismo
ecológico, onde muitos barcos, que parecem hotel, levam os turistas para pesca
pelos rios que formam o Pantanal. Dali, segui viagem e dormi a primeira noite
em Pontes de Lacerda. Ainda era cedo, mas a estrada não colaborava e era tudo
desconhecido para mim.
Seguindo
viagem no dia seguinte, me deparei com
uma estrada deserta e cheguei a ultima cidade do Mato Grosso, Comodoro, ainda
por volta de 15 horas. Tinha em mente chegar a maior cidade de Rondônia,
além de Porto Velho, que era Vilhena. Fui parado por uma barreira policial, no
meio do nada, que tinham somente como interesse
levar algum por fora. Eu estava com tudo em ordem, mas mesmo assim,
gentilmente, ofereci um valor a eles e fui dispensado, Cheguei em Vilhena no inicio da noite e me surpreendi
com o progresso daquela cidade. Moderna, limpa, com bons hotéis e restaurantes e
um bom numero de laboratórios. Fiquei uma manhã por lá conhecendo o mercado e
no dia seguinte segui viagem até Ji-Paraná, uma boa cidade às margens do Rio
Machado, que corta a cidade. Antes tinha entrado em Cacoal e depois, antes de
chegar a Porto Velho, entrei na cidade de Ariquemes, onde pernoitei mais uma
noite.
Minha
chegada em Porto Velho foi no começo da manhã. Fazia muito calor, mas havia
chovido a pouco tempo. Me hospedei num hotel bem próximo ao centro e resolvi
começar visitar os laboratórios para ver se conseguia descobrir logo uma pessoa
para ser o representante Pardini na região. Queria também conversar com alguém
sobre a Ferrovia do Diabo, mas ninguém sabia nada, apenas informaram que no
porto do Rio Madeira havia umas maquinas velhas que ainda percorriam um certo
trecho da ferrovia.
A
cidade de Porto Velho, naquela vez que lá estive, estava toda esburacada e
havia grandes poças d’água por todas as ruas do centro. Era difícil não cair
num buraco. Parei no primeiro laboratório da lista que eu tinha de clientes de
Porto Velho. Era uma empresa bem acanhada, pequena e para entrar tive que subir
degraus na calçada, que era mais elevada devido as enchentes que sempre
ocorria. O Rio Madeira estava a menos de 150 metros de onde me encontrava e
dava para ver a majestade deste grande afluente do Amazonas, mas isto fica para
mais tarde.
Entrei
no laboratório e tinha uma moça muito simpatica na recepção e mais nada. Não
tinha cliente, não tinha técnicos trabalhando e nem o dono estava, apenas a
recepcionista. Me apresentei a ela e conversamos um pouco sobre o meu trabalho
e sobre a cidade e ai perguntei a ela se conhecia alguém para ser o
representante do Pardini em Porto Velho
-
Eu, respondeu sorrindo
-
Você, respondi, mas tem que viajar, e as estradas não ajudam
- Eu
sou a pessoa certa que você esta procurando.
-
Qual o seu nome
-
Brinnya!!
Me
apresentou e pedi para preencher o formulário de cadastro de pedido de emprego,
dei a relação dos documentos que precisaria providenciar e já pretendia iniciar
o trabalho burocratico que tinha que ser feito pelo computador, mas o noivo
ainda não se tocava e ficava ali do lado. Uma situação ridicula, pois era a
primeira vez na minha vida que eu fazia uma seleção de pessoal com
acompanhante. Estive para desistir da contratação, mas relevei e pedi para ela
voltar na manhã do dia seguinte. Ela
voltou e o sujeito veio junto, mas ai disse para ela que iriamos sair para
visitar os clientes no meu carro. O sujeito
ficou meio ressabiado, mas eles acabaram conversando e fomos trabalhar. Durante
o dia, disse que não poderia contrata-la se o namorado viesse acompanha-la todo
dia. Ele estava criando uma situação que dificultava o trabalho. Depois desta
conversa, ele não voltou mais. Trabalhamos juntos mais uma semana e estava na hora de eu voltar para
Cuiabá, pois meu trabalho teria sequencia nas cidades de Goiânia e Brasilia.
Antes
de partir, fui conhecer a Ferrovia do Diabo. Um museu caindo aos pedaços, com
fotografias amareladas e abandonadas pelo descaso e no patio tinha duas
locomotivas a vapor, uma delas ainda funcionando. Pensei até em fazer o
passeio, mas o mesmo só acontecia aos domingos, se houvesse um numero minimo de
passageiros e acabei desistindo.
Me despedi
da Brinnya e prometi voltar dentro de 45 dias para ver como estava indo o
trabalho e logo que terminei meu trabalho em Brasilia, tomei um voo para Porto
Velho e a Brinnya estava me esperando, logico, com o namorado. Trabalhamos
visitando todos os clientes novamente e disse que gostaria de ir até Rio
Branco, capital do Acre, pois pretendia colocar um representante naquela lugar.
Poderíamos ir de carro, mas ai entrou na parada o noivo novamente. Ele se
ofereceu para ir junto no carro dele, que era mais novo e acabei concordando.
Me acomodei no banco de trás e deixei o sujeito dirigir e fui curtindo a viagem. A paisagem da região
é muito bonita. Lá existe uma arvore que parece ser plantada invertida, como se
as raízes fossem a copa, descobri depois se tratar do baobá.
Balsa do Rio Madeira |
A
partir daquele dia, ele nunca mais apareceu. Trabalhamos mais uns dias e quando
voltei lá em outra ocasião, eles haviam terminado o namoro. Passando um tempo,
eu estava em Belo Horizonte, recebo um telefonema da Brinnya, dando a noticia
que mais me apavorava. Luis, estou gravida. Gravidez, significava ter que
contratar um pessoa temporária e isto já era difícil próximo da gente, imaginem
em Porto Velho. Ela continuou a trabalhar e quando estava perto de completar o
09 meses. Eu fui a Porto Velho e a ela me apresentou a uma moça chamada Carla
Pinho, que era responsável pelo maior cliente nosso na cidade.
A Carla se
prontificou a realizar a coleta no tempo que a Brinnya ficasse afastada, mas
não deixaria o emprego. Conversei com a empresa e fizemos um esquema para
paga-la como prestadora de serviço. Logo depois que nasceu a filha Bruna, em
pouco tempo a Brinnya voltou ao trabalho, fazendo apenas visitas comerciais,
deixando a coleta para a Carla e assim funcionou por uns 03 meses. No final,
tudo voltou ao normal. Anos depois, a vida da Brinnya e da Carla se misturam
novamente, mas isto é uma outra historia. A Brinnya foi uma representante
espetacular. Fiquei amigo de toda sua família, inclusive de seu pai, um musico
incrível, que tocava na noite de Porto Velho e tive oportunidade de ver uma
apresentação.
Carla Pinho fez o trabalho da Brinnya durante a gravidez |
Hoje
a Brinnya se casou com o Oswaldo e mora na cidade de Tanabi, aqui no Estado de
São Paulo. É mãe de mais duas crianças, o Pedro e a Rafaela, além da Bruna. Trabalha
atualmente como representante da Mary Key e dentro do seu plano de trabalho,
deve atingir a diretoria da empresa este ano e ter o seu desejado carro rosa.
Uma
grande amiga, uma grande mulher, uma mãe exemplar, a quem dedico toda minha
homenagem e o prazer de um dia ter
acreditado nas suas palavras: “Você conhece alguém para me indicar. E a
resposta Eu, estava correta.”
No
próximo capitulo, vou contar mais sobre esta região e como desenvolvemos a
região de Rio Branco, com a Maria Xavier.
Vou
parar aqui para não deixar o capitulo muito longo.
Continua
Muito boa Luís, a gente que já fez td isto fica só viajando no pensamento
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