Imagem de Nossa Senhora de Nazaré |
Minha
chegada à Belem, depois de 05 dias a bordo de um navio da Enasa, já tinha sido
o suficiente. Um detalhe interessante é que ao longo dos mais de 2000
quilometros que a viagem teve, a paisagem permaneceu inalterada. Água e árvores. Com exceção nas paradas nas cidades de Parintins, Óbidos, Oriximiná,
Santarem e a chegada em Belem, o resto do caminho era tudo exatamente igual. O
tempo passava devagar. De vez em quando ia a cabine de comando e perguntava
para o navegador como estava indo a viagem e ele me mostrava os mapas de
navegação, o sonar de profundidade e o avanço do navio. Em média, uns 30
quilometros por hora, pois estavamos a favor da correnteza. Para fazer o
caminho inverso, a viagem dura 06 dias ou mais, dependendo da força da água.
Belém - Capital do Pará e da simpatia. |
Quando
encontrei com a vendedora Ana Maria, que gentilmente veio me buscar no porto,
já havia uma grande historia por trás deste momento. Eu sempre optei por viajar
de carro. Só utilizava outro meio de transporte quando era impossivel ir por estrada. E numa destas
andanças cheguei a Belém do Pará. Era meu ultimo desafio antes de iniciar a
região Amazônica, embora Belém seja banhada por um mar de água doce, que é a
Bacia do Guajará, onde desembocam os Rios Guamá e Acara. Eu sempre pensei que
aquela água era do Rio Amazonas. Foi no navio que aprendi esta lição de
geografia, pois quando chega na cidade de Breves, onde começa a Ilha do Marajó,
existe um desvio do Rio Amazonas em forma
de Y e o rio segue pelo lado esquerdo e o Estreito de Breves à direita, chegado
suas águas na Bacia de Guajará.
Estrito de Breves. A margem esquerda é da Ilha do Marajó |
Belém
é uma cidade encantadora. Mas longe! Tinha trabalhado nas cidades de Recife,
João Pessoa, Natal, Mossoró, Fortaleza, Teresina, São Luiz e finalmente havia
chegado a Belém. Eu e meu Gol vermelho, que chegou a rodar mais de 300.000
quilometros sem problemas de motor. Quando
Belém começou surgir à minha frente, eu já tinha rodado desde minha saída de
casa mais de 4.000 quilometros. Após passar a entrada de Mosqueiro, um lugar
exótico e imperdível, que contarei em detalhes mais à frente, a pista passou a
ser mão dupla e em ambos os lados da estrada já existia um comercio ativo e mais
à frente a cidade de Ananindeua, que fica colada à Belém e esta mesma estrada
me jogou numa avenida e dali até o centro da cidade. Era uma questão de hábito.
Quando eu chegava numa cidade pela primeira vez, minha primeira parada sempre
era o centro da cidade. Lá eu procurava por informação de hotel, me localizava
e ai começava a ver realmente onde estava.
Minha casa em Belém |
O
hotel mais barato, dentro do padrão que costumava ficar era próximo a Estação
Rodoviária. Hotel Ipê, simples, mas bem localizado e bom atendimento. Primeira etapa
do projeto estava pronta. Já estava em Belém, estava hospedado, já tinha
jantado e fui dormir. O grande desafio começaria no dia seguinte: encontrar,
contratar, treinar um representante para aquela grande cidade.
O
Laboratório Pardini já era bem conhecido nesta epoca e tínhamos muitos clientes
que enviavam suas amostras direto para Belo Horizonte via Sedex. Era precário
este serviço, mas era o que tinha. Com a contratação de um representante, todos
os laboratórios enviariam mais amostras e elas seguiriam em voo noturno,
chegando na empresa na manha do dia seguinte, com resultado das analises dois
dias depois, dependendo do tipo de exame.
Mas
onde encontrar uma pessoa responsável para fazer este serviço com eficiência
depois que eu fosse embora? Comecei pelo obvio. Perguntando aos donos dos
laboratórios que já eram nossos clientes se tinham alguém para indicar. Depois
de alguns não, me indicaram uma vendedora muito conhecida por todos, de nome
Maurícia, que vendia reagentes para realização de exames. Bem, era um começo. Liguei
para ela e marcamos um encontro. Encontrei com uma mulher pequena, bem
magrinha, mas mostrava muita disposição e conhecimento do mercado. Achei que
poderia dar certo, mas antes de enviar a documentação para admissão, resolvi
trabalhar uns 03 dias com ela para ver se seria a contratação certa. Foi talvez
a decisão mais acertada que fiz durante todo o tempo que trabalhei no Pardini.
Ela, embora muito simpática, tinha muitos compromissos, devido as suas representações e não estava dando atenção ao projeto Pardini da maneira que eu realmente precisava. Eu precisava
ter alguém comprometido até a alma com a idéia, pois o serviço assim exigia e
Belem era muito longe para ir lá a todo momento. Na manhã do terceiro dia, disse
para a Maurícia que não ia dar certo e que eu não iria contrata-la. Acho que
ela já esperava por isso. Imediatamente, ela disse que tinha uma amiga que
estava desempregada e que eu iria gostar. Ela com certeza seria a pessoa certa
para o que eu precisava.
Ana Maria e seu filho Lucas |
Combinamos
encontrar sua amiga no seu apartamento. Lá conheci a mãe dela, tomei um litro
de água super gelada para combater o calor daquela cidade e ficamos aguardando
a chegada da amiga. Pontualmente, às 14 horas, como combinado, eis que chega a
Ana Maria. Uma morena tipica paraense, cabelos curtos e ainda tímida, começamos
a conversar, mas a empatia foi instantânea. Eu tinha certeza que tinha
encontrado a pessoa certa. Nossa conversa durou menos que 20 minutos e já
defini que ela seria a representante.
Pegamos o material de trabalho que estava
na casa da Maurícia, e levamos o apartamento que a Ana Maria morava. Lá tive oportunidade
de conhecer seu filho Lucas, um garoto de 03 anos, muito esperto, que ficou meu
amigo de imediato. Hoje, ele já é advogado e com projeto de fazer mestrado em
Portugal ainda este ano. Conheci também a mãe da Ana, Dona Cecilda, que estava
muito doente na epoca. Já não andava. Permanecia o tempo todo deitada ou em
cadeira de rodas. Era uma mulher muito bacana, conversávamos muito, mas
infelizmente a doença fazia a vida da Ana Maria ser muito sofrida. Conheci
também seus irmãos Celinho, Celso, Cezio e a Ângela.
Em resumo, fiquei muito
amigo da família, amizade que durou por todo o tempo que trabalhamos juntos.
Depois que eu sai da empresa a Ana continuou e chegou ao cargo de supervisora
de equipe, ficando responsável por toda a Região Norte. Foi uma das
contratações mais acertadas que fiz em toda minha carreira profissional, pois
além da excelente vendedora, que dominou completamente o mercado, tornou-se
minha grande amiga. E é essa amizade que me levou a conhecer o lado magico da
cidade de Belém.
Mosqueiro
é uma ilha fluvial do Rio Pará, vilarejo
localizado nas cercanias de Belém e um lugar muito visitado. Ali é fabricado a
famosa Cerâmica Marajoara. Vasos ornamentais, com figuras tipicas, que
ressaltam suas belezas por serem todas feitas de forma artesanal. Lá existem
dezenas de lojinhas e dentro delas é um mundo de variedades, onde você encontra
tudo para decoração, desde um simples prato, até um sofisticado jogo de panelas
para servir feijoada.
Os
restaurantes se localizam a beira da Baia do Marajó,
onde existe uma grande praia, e é característico destes estabelecimentos
servirem como prato principal a tradicional peixada. Um caldeirão enorme de
barro, com diversos pedaços de peixe de excelente sabor, ovos cozidos e uma
verdura que não conhecia até minha primeira ida a este lugar. O jambu, uma hortaliça muito parecida com o agrião, que
quando você a mastiga, sua boca fica anestesiada. Uma sensação estranha, mas
deliciosa.
Por
diversas vezes, estive em Mosqueiro com a Ana Maria, onde ela tinha uma pequena
casa, que estava lutando para vender e nesta vila, aos finais de semana, era
festa direto. Milhares de pessoas, musicas ao vivo em vários lugares. Lembrava
as praias do litoral de São Paulo na epoca do verão ou feriados prolongados. O
detalhe que é praia de água doce e não causa a mesma emoção de uma praia de
água salgada. Ai, o paraense não se faz de rogado, viaja mais uns quilometros e
chega na Praia de Salinas, um dos lugares mais bonitos do litoral brasileiro.
Engraçado,
que num lugar tão quente e distante da grande colonia japonesa no Brasil, é
muito fácil encontrar restaurantes que tem como prato principal o Yakisoba. Um
prato feito com macarrão fino, legumes e shoyo. Em Belem você encontra este
prato em diversos restaurantes.Outro
lugar imperdível que conheci em companhia da Ana foi o Mercado Ver o Peso. Ali é um mundo único. Não deve ter outro lugar na terra com as mesma variedades de
produtos. Lá você encontra de tudo. Desde peixes a benzedeiras que prometem
curar qualquer doença, resolver problemas de dinheiro, etc.
Junto
ao Mercado Ver o Peso, tem o Antigo Porto de Belém, todo reformado, espaço que
na epoca que lá estive já havia se transformado num boulevard, com diversos
restaurantes e outras atrações. Me recordo que havia uma ponte rolante, que
percorria toda a extensão do porto, uns 300 metros, e dentro dela, lá no alto,
ia um musico, tocando e cantando musicas para alegrar o ambiente.
Nesta
viagem que eu estava chegando de Manaus por barco, eu já havia deixado o meu carro
na casa da Ana Maria e logo após meu desembarque, me hospedei eu fomos visitar
os laboratórios. Os paraenses são de longe um dos povos mais hospitaleiros do
Brasil. Fazem tudo que podem para te deixar a vontade e cada visita era uma
conversa de amigos que não se viam a muitos anos. Difícil terminar uma visita
em menos de uma hora. Alguns donos de laboratório eu já conhecia de congressos,
outros fui apresentado pela Ana, mas em todos os lugares, o atendimento era
excelente.
Visitando
um laboratório numa das avenidas da cidade, se a memoria não me trai, era o
Laboratório Amaral, deixamos o carro quase defronte à empresa e eu deixei minha
pasta no banco de trás. Quando voltamos, tínhamos sido roubados. O ladrão
entrou pela porta do porta malas do Gol e levou minha pasta, minha maquina
fotográfica com as fotos da viagem pelo Rio Amazonas, o radio do carro e uma
sacola com alguns objetos da Ana Maria. Para minha sorte, estava com a carteira
no bolso, o que me evitou um monte de dor de cabeça. Ela ainda me levou a
conhecer um restaurante cuja proprietária sobreviveu a queda do avião da Varig
em plena selva amazônica, onde morreram praticamente todos os ocupantes e
apenas alguns se salvaram, entre eles, esta senhora. Outro lado inesquecível de
Belém era o final do dia. Ana tinha muitos amigos e sempre a tarde se
encontravam num barzinho da cidade para um gostoso bate papo, regado da
inigualável cerveja Cerpinha. A Ana Maria, no tempo que trabalhou comigo foi sempre impecável como profissional
e nas vezes que ia visita-la, sempre foi uma grande amiga, a quem devo grandes
favores e agradeço nesta postagem. Mas
tem dois episódios que não posso deixar de relatar, pois a historia não ficaria
completa.
Eu
precisava colocar um representante em Macapá, que ficaria subordinado a Ana
Maria. Eu como havia curtido muito a viagem de barco de Manaus para Belém,
disse para a Ana comprar dois camarotes num navio que iria para Marabá. Assim
ela fez. Quando embarcamos, o navio era completamente diferente do que eu havia
viajado. Era todo de madeira, muito barulhento, com o pessoal pendurado nas
redes e os camarotes era feitos para pessoas normais. Eu pesava na epoca uns
140 quilos. Mal cabia na cama. Era muito apertado. Mesmo a Ana, no outro
camarote, também não conseguia se ajeitar para dormir, pois o barco balançava
muito. Resolvemos então subir para o deck do navio e ver televisão.
No inicio, estava indo tudo bem, mas do nada começou cair uma tempestade muito forte. Não dava para voltar para as cabines, pois ventava muito e o barco balançava demais. O jeito foi ficar sentado onde estavamos, com o coração na mão, torcendo para a tormenta passar. Estávamos margeando a Ilha de Marajó e esta chuva durou horas para parar. Chegamos no Porto de Santana em Macapá, mortos de cansado, com sono e com muita fome. Ficamos por lá uns 03 dias, contratamos um representante e voltamos de avião. Minha recomendação a quem um dia querer viajar de navio naquelas regiões. Conheça o navio antes de comprar o bilhete. Se for navio de madeira, sai fora.
No inicio, estava indo tudo bem, mas do nada começou cair uma tempestade muito forte. Não dava para voltar para as cabines, pois ventava muito e o barco balançava demais. O jeito foi ficar sentado onde estavamos, com o coração na mão, torcendo para a tormenta passar. Estávamos margeando a Ilha de Marajó e esta chuva durou horas para parar. Chegamos no Porto de Santana em Macapá, mortos de cansado, com sono e com muita fome. Ficamos por lá uns 03 dias, contratamos um representante e voltamos de avião. Minha recomendação a quem um dia querer viajar de navio naquelas regiões. Conheça o navio antes de comprar o bilhete. Se for navio de madeira, sai fora.
Deixei
para o final a parte que envolve o titulo desta publicação: Círio de Nazaré. Trata-se com certeza da maior profissão de fé
em todo o Brasil. A veneração a Nossa Senhora de Nazaré é algo que impressiona,
que comove e nos transporta para um mundo de paz e esperança, que atinge a
todos, sem exceção.
Ana
Maria conseguiu ingressos para fossemos na procissão naval. Um cortejo com mais
de 1000 embarcações, que seguem um barco que levava a imagem da Santa até um
local onde foi rezada um missa. No navio que estavamos, havia umas 300 pessoas
e durante todo o percurso, tanto na ida como na volta, haviam grupos rezando em
louvor à santa. Esta procissão aconteceu num sabado. No domingo haveria a
grande procissão do Cyrio de Nazaré, onde a santa é levada de volta para sua
igreja. O que chama atenção e causa angustia em quem esta assistindo é a
devoção dos fiéis, que seguem o cortejo segurando uma enorme corda, de uns 10
cm de diametro por uns 500 metros de comprimento, com os rostos colados uns nos
outros, num esforço supremo para não soltar a mão da corda, pois se assim o
fizer, outros entrarão em seu lugar. Uma demonstração de fé, amor e devoção.
Terminada
a procissão, fomos almoçar na casa de um amigo e tive oportunidade de saborear
o prato mais cobiçado pelos paraense: Pato no Tucupi, acompanhando de
Maniçoba, uma comida feita a base de mandioca brava, de cor verde, que eles
adoram, mas que não fez o meu gosto.
Foram
muitas historias vividas em Belém. Lamento não ter voltado mais àquela cidade
maravilhosa, de povo hospitaleiro, nestes últimos 15 anos. Muitas saudades de
Belém, onde se planta arvores frutíferas em suas principais avenidas. Normal,
nas épocas da colheitas, a queda de mangas nos carros estacionados sob a sombras das mangueiras e da loucura
pelo açaí, que lá é vendido em cada esquina.
Hoje,com muito orgulho Dr. Lucas e sua mãe Ana Maria. |
Espero
um dia poder voltar. Mas se este dia não chegar, pode ter certeza que guardo cada momento
vivido neste rincão do Brasil, da minha amiga Ana Maria e de seu filho Lucas,
hoje já doutor, que na epoca me chamava de “Tio Luis”.
Continua.
Continua.
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