sábado, 25 de novembro de 2017

CAMARÃO PARA OS MORADORES DE RUA

O titulo deste episódio pode parecer estranho, mas foi um dos momentos mais engraçado do meu tempo de vendedor de produtos para laboratório,  ainda na Wama Diagnóstica.

Paella Vallenciana
Como disse antes, a Wama era uma empresa nova, embora tivesse surgido a partir do Laboratório Médico Dr. Maricondi, uma empresa já bem consolidada na cidade de São Carlos,  por iniciativa do seu Diretor Presidente e os produtos que vendíamos ainda não haviam emplacado no mercado, devido a concorrência, situação financeira do Brasil, que ainda estava se recuperando do dinheiro que o Governo do Presidente Collor havia confiscado no primeiro dia de governo. Tínhamos  um aparelho que fazia leitura de placas para analisar alguns exames de imunologia, dois modelos de aparelho para realização do exame VHS, que era novidade mundial, um sistema que prometia água pura e ultrapura para uso laboratorial e pipetas austríacas, que embora de excelente qualidade, eram mais caras que as concorrentes brasileiras.
Modelos de pipetas
O dia a dia era muito intenso, muitas visitas e pouquíssimas vendas. Já estava temendo que a qualquer momento a empresa pudesse encerrar suas atividades.  Reconheço que na época foram muito ousados e continuaram investindo na empresa, mesmo com as vendas em baixa e hoje a WAMA se transformou numa empresa de âmbito internacional.

Local onde foi realizado o Congresso da SBPC em 1993
Naquela época, iria acontecer um Congresso de Patologia Clinica na cidade de Santos e o local escolhido para o evento foi o Shopping Miramar. Este congresso é muito concorrido e é realizado anualmente sob a chancela SBPC – Sociedade Brasileira de Patologia Clinica e tem por característica a presença de muitos proprietários de laboratórios de toda parte do Brasil e é o local ideal para realização de novas vendas e apresentação dos aparelhos.

Para incentivar o nosso desempenho, a diretoria da empresa prometeu pagar a vista, no termino do congresso, a comissão de todas as vendas realizadas. Eu e o meu amigo de viagem não deixava passar um congressista sem que o chamasse para o nosso stand e conhecesse nossos produtos. No final do 4° dia de congresso, havíamos vendido o valor equivalente a 06 meses de trabalho, o que ajudou muito no orçamento da empresa e no meu, em particular.

Como nada ocorre por acaso, ao lado do nosso stand estava o montado o stand do Laboratório LID. No dia a dia acabei fazendo amizade com os diretores desta empresa e fiquei de visita-los depois do congresso para instalar um sistema de purificação de água. Isto acabou ocorrendo um mês depois. Foi muito bom, pois além de efetuar a venda do aparelho, consegui arrumar emprego para meu filho Evandro, que viria a ser o primeiro vendedor de serviços de apoio a laboratórios. Foi o pioneiro de um mercado que só cresce, mas isto vai ficar para outra historia.

Durante o congresso, um grupo de empresários estava no nosso stand e era horário de almoço, e me convidaram para juntar a eles. Além de mim, foi também meu diretor, um parente  dele e mais 05 ou 06 pessoas.

Para meu poder de compra, o meu limite era um PF, mas como estava com o chefe e o pessoal  que estavam juntos também gostavam de uma boa comida, resolveram ir ao Restaurante Vista do Mar, na Praia do Embaré, ao lado da Praia do Gonzaga.

Este restaurante, cujo slogan é Rei da Paella Valenciana, é um dos melhores do Brasil e um dos mais caros também. Chegamos ao restaurante por volta de 13h30min horas e a casa estava praticamente vazia. Ajeitamos-nos numa mesa grande e veio o maitre oferecer os serviços e eles pediram a Paella, com entrada de casquinha de siri. Quantas para todos nós? – perguntou alguém. Creio que 05 serão suficientes, respondeu o maitre. Fechado!


Logo depois chegaram as casquinhas de siri, o couvert, refrigerantes e o grupo ficou conversando sobre negócios, família e outras besteiras enquanto o prato principal não chegava.  Passado uns 30 minutos, eis que começa a chegar o prato principal, mas era tanta comida, mas tanta comida, que daria para alimentar umas 30 pessoas tranquilamente. Houve protesto junto ao maitre, mas a comida estava na mesa, então vamos a ela. Os camarões eram enormes e muito. Um verdadeiro banquete. Confesso que comi tudo que podia e mais um pouco, mas era muito comida. Quando havíamos terminado, parecia que nem tínhamos almoçado. Tinha tanta comida sobrando, que até hoje tenho aquela imagem gravada na mente.

O volume era maior que o da foto, colhida no Google.
Para sacanear o maitre que tinha empurrado aquela quantidade enorme de comida, foi pedido que o que sobrou fosse colocado em “quentinhas”, que iríamos levar. Acredito que eles não esperavam por isso! Recolheram a sobra da comida e trouxeram a conta. Posso garantir que hoje aquele almoço custaria algo em torno de R$ 2.000,00. Bem, diz o ditado que cabrito bom não berra. Pagaram a conta e ficamos esperando as quentinhas. Quando elas ficaram prontas, creio que tinha mais de 15 lotadas até a boca com aqueles camarões enormes em cada uma delas.

Aquele dia eles almoçaram muito bem.
Colocamos numa caixa e voltamos para o congresso via praia e deparamos com um monte de mendigos deitados num canto da Praia do Gonzaga. Vamos dar esta comida para eles – disse um do pessoal do grupo. Voltamos com o carro, paramos ao lado deles e perguntamos se alguém queria comida. Foi um tal de neguinho levantando correndo e vindo em nossa direção e começamos a distribuir as quentinhas. Teve até que pegasse duas. E era engraçado vê-los todos felizes, comendo aqueles camarões com as mãos.

Voltamos para o Congresso e este foi o assunto contado varias vezes em diversas oportunidades. Coisas do Brasil!

Continua


terça-feira, 21 de novembro de 2017

A MORTE PEDIU CARONA E EU QUASE PAREI PARA ELA

Fortaleza - todos merecem conhece-la
De volta à São Carlos, a vida voltou a rotina de vendas. Algumas viagens até São Paulo, outras nas cidades circunvizinhas, cada dia aprendendo alguma coisa nova, até que num determinado dia, lendo o Diário Oficial, notei que haveria uma concorrência publica em Fortaleza para compra dos aparelhos que vendíamos. Concorrência publica, para quem nunca participou é a venda mais tranquila e a mais complicada que existe. Você não tem que dialogar com ninguém, apresentar vantagens comerciais ou técnicas, você tem apenas que estar apto para participar do embate e para isso são exigidos muitos documentos e declarações. Você tem que apresentar certificados de  pagamentos de INPS, FGTS, PIS, Confins, Contrato social, numero de funcionários da empresa, currículos dos funcionários responsáveis por setor e montar um planilha técnica do produto e outra planilha de preço. De verdade, isto leva em média 03 dias bem trabalhado para estar tudo em ordem.

Ao chegar no local da concorrência, o pregoeiro recebe as propostas das empresas, todas em 02 envelopes lacrados, num constando os documentos e no outro a proposta de preço. Aberto o pregão, todos os participantes começam a conferir a documentação do concorrente e se estiver faltando um documento, você é eliminado sumariamente. Quando tudo esta conferido, as empresas consideradas aptas começam a participar de um leilão, onde a ganhadora será aquela que oferecer o melhor preço. Simples assim.

Bem, esta introdução é apenas para dar inicio a um dos momentos mais tensos e que senti mais medo em toda minha vida de viajante.  Fui chamado na diretoria da empresa e perguntaram se eu poderia ir de carro a Fortaleza participar da concorrência e eu prontamente aceitei. Ainda faltavam 15 dias para a data de abertura dos envelopes, mas por algum motivo que não consigo explicar, disse aos meus chefes que viajaria no dia seguinte e iria aproveitar para divulgar a empresa visitando alguns laboratórios no caminho. Na realidade, estava querendo chegar logo em Fortaleza, onde o Manoel morava e ficar uns dias de folga.  Tudo acertado me adiantaram um pouco de dinheiro e a promessa de depositar em minha conta valores, na medida em que eu fosse precisando para gasolina, hotel e refeição.

No dia da partida, sai cedo e pretendia dormir em João Monlevade, pra que não conhece, fica uns 80 quilômetros depois de Belo Horizonte. A viagem foi tranquila, embora já chegando a João Monlevade, tive que enfrentar, sob muita chuva, um longo trecho de estrada muito sinuosa, mas cheguei sem nenhum problema no hotel.  Minha meta para o dia seguinte era chegar a Vitoria da Conquista e dependendo do estado da estrada, talvez a Jequié, ambas as cidades já na Bahia.


A curva que me acidentei pode ter sido esta, segundo o Google
Tomei um café reforçado e comecei minha viagem em direção a Vitoria da Conquista. A primeira cidade, saindo de João Monlevade, pela Rodovia MG 381 é Bela Vista de Minas, um lugar pequeno, localizado no pé de um grande morro. Bem, eu estava viajando tranquilo, embora com chuva, subindo uma grande ladeira e bem no alto desta ladeira, a pista tem uma curva fechada, que de um lado tem as paredes do morro e do outro um precipício . Não sei como esta aquela estrada hoje, mas naquele dia que eu passei por lá, não havia nenhuma proteção.  A curva, não era difícil de ser feita, creio que com o tempo seco, poderia ser contornada, sem dificuldades com velocidade de 80 km por hora, mas no momento que eu estava passando por ela meu carro derrapou no óleo deixado pelos caminhões e o carro saiu girando em direção ao abismo e como ainda não era minha hora, o carro caiu com a roda esquerda traseira num buraco e parou.


 Embora tenha parado, o carro ficou atravessado na pista contrária e eu estava desesperado, querendo tirar o carro daquela posição e nem estava imaginando o perigo que havia corrido. Só queria tirar o carro daquele local,  pois tinha medo que algum outro veiculo viesse de encontro. Com muito esforço, consegui endireitar um pouco o carro, deixando-o alinhado com a pista contrária, mas já não conseguia rodar mais, pois o eixo traseiro havia quebrado com a pancada. Demorou uns 30 minutos para chegar um carro guincho da cidade de Bela Vista de Minas. Com meu carro guinchado e começar a seguir em direção a cidade, não tinha ainda percorrido nem uns 100 metros, um carro derrapa na mesma curva e passam reto em direção ao abismo. Se eu tivesse ficado ali mais uns minutos, este veiculo iria se chocar diretamente  com o meu e ai o resultado poderia ter sido outro. Neste acidente, no carro que caiu no abismo tinha 03 pessoas todas morreram.




Meu deu uma crise de nervo, de medo, uma coisa muito estranha. Nunca senti nada deste jeito. A impressão é que eu tinha alguma coisa muito forte ao meu lado, me protegendo. Meu anjo da guarda me afastou da morte aquele dia.
Fiquei parado em Bela Vista de Minas por 04 dias esperando chegar um novo eixo e neste tempo acompanhei a angustia das famílias das pessoas que haviam morrido. Eram todos moradores da cidade e a consternação era geral. Fiquei sabendo depois que já tinham acontecido muitos acidentes naquela curva, alguns com vitimas fatais.



Tradicional feirinha de artesanato de Fortaleza - Imperdivel

Quando o carro ficou pronto, segui viagem para Fortaleza e o resto da viagem foi tudo tranquilo, mas posso dizer que a morte me pediu carona e eu quase parei para ela montar.


Continua 

terça-feira, 14 de novembro de 2017

RUMO A ITAJAÍ – SANTA CATARINA


ITAJAÍ - SANTA CATARINA

Com o passar do tempo, fui me adaptando ao mercado e recebi para trabalhar um veiculo Gol, 1989, já refrigerado a água e este carro foi meu companheiro por 02 anos.  As viagens eram constantes para diversas cidades e a assim como eu, a empresa também era nova no segmento de produtos para laboratórios. Havia sido fundado a menos de 02 anos, portanto era totalmente desconhecida do mercado.

Isto era um complicador. Muitas vezes você chegava num laboratório, tomava um tremendo chá de banco e era recebido, quando era, por uma pessoa que não tinha nenhum poder de decisão. Atendia por educação ou muitas vezes ninguém atendia. A própria secretária te dispensava já no atendimento. Fase difícil a de implantação de uma marca. Hoje, passados 25 anos de sua criação, a WAMA é conhecida em todo território nacional e seus produtos também são importados para diversos países da América do Sul, África e Oriente Médio.

O CARRO ERA BEM PARECIDO COM ESTE DA FOTO
Bem, voltando ao meu carro, eu utilizava um bagageiro, destes que se coloca e tira facilmente, para transportar um volume maior, pois o espaço interno do Gol era pequeno.  O mercado de analises clinica é muito concorrido, e a melhor opção para se mostrar ao publico é a participação em congressos. Eles acontecem com frequência e em diversos locais. É sempre uma ótima oportunidade de se apresentar aos possíveis compradores  e que seu produto é bom.

Num desses eventos, foi que aconteceu a minha primeira aventura digna de ser contada. Fizemos a inscrição para participar de um congresso regional que iria ser realizado na cidade de Itajaí, cidade próxima à Florianópolis. A promessa do organizador era a participação de 500 congressistas, sendo a maioria donos de laboratórios e estudantes já em fase de conclusão do curso de biomedicina, o que parecia ser ótimo para nós que estávamos começando.

Resolvermos apostar alto neste evento e para impressionar resolvemos levar 03 aparelhos diferentes, todos modernos e revolucionários para a época, como uma leitora de placa, um aparelho de VHS e um sistema de filtragem de água. Estes aparelhos valiam uns $50.000,00, quase 10 vezes mais que o valor do carro. Como não cabiam dentro do veiculo, a solução foi coloca-los no bagageiro, envolver com encerrado e amarrar da melhor maneira.  Estava tudo pronto para empreender a viagem de mais de 2000 quilômetros com ida e volta.











Embora não fossem pesados, os aparelhos deviam pesar no total uns 50 quilos, eram volumosos e sobre o carro ficou um pacote de uns 80 cm de altura por 1,00 m de extensão, todo envolvido em lona e bem amarrado e saímos para a viagem, logo pela manhã. O dia estava nublado e para cortar caminho, tomei o destino de Sorocaba e desci aquela serra estreita até Juquiá, onde peguei a BR 116 em direção a Curitiba. Até Piedade, antes da serra, estava indo tudo bem, mas ao entrar na cidade, passei um pouco rápido numa lombada e o bagageiro soltou. Sorte que estava devagar, pois o volume não chegou a cair, mas esteve por alguns centímetros de causar um baita prejuízo e uma provável demissão.

Cabeça da Anta - Ponto de Parada obrigatória na descida da Serra de Juquiá

Descemos do carro e com muito esforço, prendemos novamente o bagageiro e seguimos viagem com o maior cuidado na descida da serra.  Quando pegamos a BR-116, já na altura de Registro, começou a chover forte, mas era muita chuva mesmo, tanto que tivemos que parar num posto de gasolina e aproveitamos para verificar a amarração. As cordas tinham afrouxados e os aparelhos, agora também por conta da chuva, já tinha perdido a estabilidade.  Não dava mais para confiar na amarração e nas garras do bagageiro. Estávamos correndo o risco de deixar os aparelhos caírem pela estrada e então fizemos a única coisa possível.  Uma nova amarração, só que desta vez, passando a corda por dentro do carro, pelo vidro das portas. A amarração ficou firme, mas para entrar no carro, somente pela janela. Imaginem a cena: eu entrando num gol pela janela. Foi difícil fazer passar a barriga e dali até Itajaí, foi um desconforto para dirigir, pois a corda passava atrás do pescoço e o vidro não fechava totalmente e como chovia, entrava água no carro. Tivemos  que fazer mais duas paradas e nelas as cenas se repetiam: sair e entrar no carro pelas janelas.

Finalmente, sem mais incidentes, chegamos a Itajaí, molhados, com dores no corpo, mas estava tudo bem. Fomos para o hotel,  arrumamos nossas coisas, e depois fomos para o local do congresso para instalar os aparelhos e deixar tudo pronto para o dia seguinte, quando o evento iria começar. Ao chegar ao local, estranhamos, pois tratava de um colégio e os stands foram montados na área de recreio da escola. Uma coisa muito estranha, mas como os organizadores eram pessoas muito conceituadas no meio laboratorial, acreditamos que tudo estava dentro do previsto. Montamos os aparelhos, os panfletos, deixamos tudo em ordem e vimos que estávamos somente nós até aquele momento, embora houvesse alguns stands vazios, com nome de outras empresas, desconhecidas para nós.

À noite, saímos para jantar e resolvemos passar no local do congresso para ver como estava e vimos que haviam chegado mais algumas empresas, todas da área farmacêutica, com milhares de folders, amostra grátis de medicamentos. Nada a ver com o nosso mercado. Voltamos para o hotel  e no dia seguinte, todo paramentado com terno e gravata, chegamos um pouco mais cedo para dar um ultimo retoque no stand e aguardar os visitantes.  

Normalmente, congressos abrem por volta de 09h00min horas e quando este horário chegou, havia passado pelo stand apenas duas pessoas, sendo uma delas o organizador e outra o responsável pela locação do espaço. Nada de congressista. Nisso tocou a sirene do recreio e para nossa surpresa, o colégio, no período da manhã tinha somente alunos cursando o primário. Era criança pra todo lado, pegando panfletos, correndo de um lado para o outro, uma barulheira infernal. Até remédio de amostra grátis acabaram levando e nada de congressista.
A situação era parecida com a da foto, mas tinha crianças menores ainda

Quando as crianças voltaram para suas salas, o espaço dos stands estava uma verdadeira bagunça. Material de publicidade das empresas expositoras  estavam ali espalhados por todo lado, uma orgia. Ai, todos os expositores se reuniram e fomos conversar com o organizador, que disse que se sentia constrangido,  que sentia muito, mas somente 06 congressista confirmaram presença. O congresso que estava previsto para acontecer em 03 dias, acabou uma hora depois de ter começado. Um baita prejuízo.

Pensar que tínhamos passado tanto sacrifício na viagem para nada era frustrante. Tentamos marcar alguma visita a algum laboratório da região, mas não conseguimos e só restava voltar. Ai  fiz uma coisa que resolveu o nosso problema com a viagem. Fui numa oficina e pedi para o mecânico soldar o bagageiro no carro. Vai estragar a pintura, disse ele. Manda brasa. Depois mandamos repintar.  E assim foi feito. O bagageiro foi soldado, a pintura nunca foi feita e o carro foi vendido tempos depois do mesmo jeito que trabalhei com ele por quase dois anos.

Continua.



sexta-feira, 10 de novembro de 2017

UMA NOVA ERA


Quando resolvi deixar a LTN e partir para uma aventura empresarial, hoje posso dizer suicida, não imaginava o quanto difícil iria ficar minha vida no aspecto financeiro.  Eu não tinha um super salário, mas o que ganhava era um valor muito maior que eu poderia almejar no mercado, pois ele me proporcionava uma boa vida, bem como a toda minha família.

Com o passar dos dias, o barco dava mostra de afundar. A editora que havíamos montado, parte pela situação econômica do Brasil na época e parte pelo desentendimento entre os sócios, já não estava produzindo o suficiente nem para pagar as despesas mínimas necessárias, e com isso, passamos a ficar sem salário, o que nos obrigou a passar usar a poupança para as nossas despesas pessoais. A duras penas, conseguimos sobreviver neste estado mais uns 06 meses e ai começou a debandada.


A Editora Paulista, que originalmente era composta de 11 sócios, passou para o comando de apenas 03 e acabou encerrando as atividades meses depois. Era o fim de um sonho  e o inicio de um pesadelo. O que fazer para manter a família? Acostumado com uma vida fácil, boa comida, hotéis de primeira qualidade, viagens constantes, de uma hora para outra, estava do outro lado, sem dinheiro, com cartões de créditos estourados e bloqueados, nome do SPC, cheques devolvidos e o pior, desempregado.

Dava impressão que o mundo havia parado. Todas as portas que conhecia estavam fechadas e o que eu sabia fazer? Ajudante de carpinteiro com meu pai ou vendedor. Mas vender o que? Tentei planos de saúde, rifas, carnê de sorteio de automóveis para um clube, mas nada dava certo. O que conseguia ganhar, mal dava para comprar comida para a família. Foi um período agonizante. Diz um ditado popular “que não tem mal que não acabe e bem que sempre dure”. E um dia, por acaso, somente por acaso, este período, que parecia uma tempestade tropical, cessou.

Voltando para casa, depois de uma semana trabalhando com plano de saúde da Blue Life em Ribeirão Preto, passei por uma festa tradicional na minha cidade e encontro um colega, que havia conhecido numa entrevista de emprego e conversamos alguns momentos e ele deixou escapar que estava a procura de um novo emprego, pois não suportava a ideia de viajar quase que diariamente para um laboratório de analises clinicas da cidade, onde exercia a função de vendedor de produtos para realização de exames. Quando disse isso, me empolguei e disse que este emprego me interessava. Será que ele podia me apresentar aos proprietários para uma entrevista? Claro, com todo prazer, respondeu.


No dia seguinte, ele agendou uma entrevista com a coordenadora do laboratório e no dia marcado, vesti um terno e fui todo alinhado conversar sobre o emprego que meu colega já não se interessava mais. Confesso que diante da necessidade, esta foi talvez a entrevista mais tensa que fiz em toda minha vida. A pessoa que me entrevistou era uma japonesa, que media no máximo 1,50m e pesava, com muito esforço, uns 45 quilos e eu com 1,92 m e 120 quilos, causava um contraste estranho e ficamos conversando em pé uns 10 minutos. Eu suava, não tanto pelo calor, mas pela preocupação de não agradar a entrevistadora, quando ela finalmente começou a conversar. O povo japonês, via de regra, não são de falar muito no inicio de uma conversa com estranho.  Depois que pegam confiança, ai fica mais fácil e o dialogo flui.

Ela gostou de mim! Incrível, mas ela ficou encantada com minhas palavras, com minha disposição e disse uma frase que soou como musica: “gostei de você, vou te dar uma oportunidade”. Faltou pouco para eu dar um beijo naquele pedacinho de gente. Com o passar do tempo ficamos amigos e hoje sei que ela mora no Japão, mas foi, com toda certeza a pessoa mais importante na minha carreira que eu iniciava, sem saber nada de laboratório de analises clinicas. Se não fosse aquele encontro casual com meu colega, que nunca mais vi e a entrevista com esta japonesinha as historias que irei contar daqui para frente jamais existiriam.


A partir da minha contratação pela empresa Wama Diagnóstica, da área de laboratórios de analises clinicas, perdi contato com o pessoal da LTN e dos meus sócios, que acho justo citar, como forma de homenagem a coragem de empreender num projeto que tinha tudo para dar certo, mas por uma mudança na política brasileira (mais uma) tudo ficou inviabilizado. São eles: Dimitrios, A.Guerreiro. Pinatti, Aílton, Marco Antonio, Silva, Manoel, Prado, Paolo. Braw e eu. A expressão, trocar o certo pelo duvidoso nunca serviu tão bem, como no caso da Editora Paulista.

Vida de vendedor, agora de serviços laboratoriais.

Depois de superadas as normas burocráticas da admissão, fiquei a disposição da empresa, para fazer um curso básico de analises clinicas, para entender o que eu iria vender. Tratava-se de Kit para realização de exames de Rubéola, Toxoplasmose, HIV, e outros e começaram a aparecer palavras que nunca havia tido contato, como anticorpos, antígenos, reagentes, EDTA, citrato de sódio, plaquetas, hormônios, TGO, TGP, imunofluorescência e outras infinidades de nomes técnicos que desconhecia completamente.

A pessoa que foi indicada para me ensinar, um engenheiro químico, que estava com sua agenda lotada e não tinha tempo para ficar me ensinado, me  dava um monte de revistas técnicas para eu ler e prometia voltar em breve para tirar algumas duvidas. E eu ficava o dia todo lendo, lendo e entendendo muito pouco. Fiquei nesta situação uns 10 dias.

Passado este tempo, surgiu à necessidade de fazer uma viagem até Curitiba e o motorista da empresa que iria levar um biomédico para fazer a apresentação de um aparelho ficou doente e perguntaram se eu poderia fazer a viagem, visto que o técnico não sabia dirigir. Aceitei prontamente.

Durante a viagem, o biomédico não conversava muito, pois ainda não me conhecia, tinha que estudar o aparelho que iria fazer a apresentação e sofria do mal do sono do passageiro. Lia um pouco e dormia. É horrível dirigir com alguém dormindo ao seu lado, pois o sono contagia, mas era minha primeira viagem e precisava do emprego, fiquei na minha e chegamos a Curitiba, depois de 10 horas de viagem, sem nenhum incidente.


Quando nos hospedamos, eu entrei no meu quarto, quase tive uma crise de choro, pois o hotel era 04 estrelas e eu tinha passado os últimos dois anos dormindo até no chão ou no banco de trás do meu Chevette. Ali, sozinho, disse pra mim mesmo: vou mudar minha vida a partir de agora. Vou fazer desta área de laboratório a razão da minha vida e vou vencer.

No dia seguinte, fomos até um grande laboratório para fazer a apresentação e montamos o aparelho num pequeno auditório e quando tudo estava pronto, chegaram cerca de 20 pessoas para ver a demonstração da maquina, que era um lançamento mundial e iria revolucionar diversas técnicas de fazer alguns exames, tanto em tempo como em qualidade de resultado. Meu colega nunca havia feito nenhuma apresentação para uma plateia e começou a mostrar insegurança ao falar. Percebendo isso, eu, que nada sabia do uso do aparelho, mas sabia como entreter o publico, entrei na conversa e comecei a desviar um pouco o foco do publico, permitindo que ele readquirisse a confiança para seguir com o curso. 

Aquilo deu tão certo, que mantivemos esta parceria por mais de 01 ano e vendemos muitos aparelhos. No final deste tempo, eu já dominava bem a matéria e cheguei a realizar algumas vendas sozinho.

Continua...