domingo, 5 de março de 2017

Capitulo 14 – Nossa Senhora da Medalha Milagrosa

Nossa Senhora da Medalha Milagrosa

O voo para Salvador foi bastante tranquilo e cerca de hora depois de termos saído de Ilhéus já estávamos esperando nossas bagagens no Aeroporto. O Contrato que tínhamos com a empresa Localiza previa um carro para cada vendedor e este procedimento de acertar documentação, conferir em detalhes o carro, gasolina, pneus, estepes levou um certo tempo até a equipe ser liberada e dali seguir para o Hotel Praiamar, localizado na Barra, um hotel que já havia frequentado na época de vendedor e também na minha primeira campanha como supervisor.

Na equipe, eu tinha 03 mulheres, a Carla, a Saime e a Pinnati e sempre que era possível, eu direcionava as fichas da cidade sede para elas, mas isto nem sempre era possível. Em Ilhéus, a Carla, que na época era péssima motorista, ficou trabalhando as fichas da cidade e quando teve que ir a Itabuna, que é perto, autorizei ela a ir em TJ. Via de regra, a equipe não se importava com esses arranjos, mas era sempre uma situação desagradável, pois ficar protegendo um representante não era sinal de uma boa gestão e resolvi acabar com isso em Salvador e confesso que arrependi desta decisão.

Depois de devidamente instalados no Hotel Praiamar, tínhamos o final de semana para descansar, pois na segunda iriamos iniciar os trabalhos na cidade e nas cidades dos “peões”, que não eram tão próximos de Salvador. Citando algumas cidades, destaco Feira de Santana, a 110 quilômetros e todos gostavam de terem atribuição desta cidade, mas tinha outras e ai a dificuldade iam aumentando como Senhor do Bonfim, Juazeiro, Alagoinhas, Brejo Santo e outras menores.

Juazeiro (BA) e Petrolina (PE) separadas pelo Rio São Francisco
Na reunião da segunda, quando fiz as atribuições, saiu para a Carla pacotes de atribuição de Juazeiro e Senhor do Bonfim, uma das rotas mais difíceis de serem feitas, inclusive, pela distância, ela teria que pernoitar nas cidades. E ai surgiu o impasse, a Carla viaja ou não viaja? Toda a equipe estava preocupada, mas ela decidiu que deveria fazer o trabalho e iria fazer a viagem. Tudo definido, a equipe toda saiu para viajar, inclusive ela e eu me concentrei nos meus afazeres que era chegar os contratos da região de Ilhéus. O clima de tranquilidade durou até por volta de 15 horas, quando recebi um telefonema dela, toda nervosa, que havia sofrido uma fechada de um caminhão e como e estrada estava toda esburacada, ele caiu num buraco e estou roda, pneu e entortou o eixo. Não dava para seguir. Não recordo os detalhes, mas sei que ela continuou a viagem, fez todos as rendas, viajando de ônibus e pegando taxi nas cidades. Mostrou força e valentia. O carro voltou para a Localiza guinchado. Depois que deixei a LTN nunca mais tive notícias da Carla, mas recordo bem dela, quando chegou na empresa, vindo de São Jose do Rio Preto, ainda parecendo uma garotinha e teve muita determinação em enfrentar todas as adversidades que a profissão impunha. A outra mulher da equipe era a Saime. Acho que a maioria de vocês a conheceram e tem dela uma boa recordação. Eu também tenho e gostaria de encontrá-la novamente, mas ela me proporciona boas lembranças e também um momento trágico, que quase perdemos a vida.

A Saime á segunda da foto, com as mãos no queixo em recente encontro realizado 
Quando ela chegou a LTN, trouxe junto o famoso fusca amarelo e o bordão, que usava a todo instante: “Nossa Senhora da Medalha Milagrosa”. Esta santa é padroeira da cidade de Uberaba, onde a Saime morava e lá tive o prazer de conhecer a senhora sua mãe, cuja nome já não recordo e a sua filha, a Larissa Emanuelle, que ela vivia contando para todo mundo, e hoje deve já estar casada, e ser mãe. A Saime era uma das pessoas mais encantadoras que trabalhou na empresa. Ela na época já era uma senhora, creio com mais de 40 anos, e era descendente de sírios ou turcos, era uma figura e era habito dela a qualquer frase ou situação, beijava uma imagem da santa, que carregava num cordão no pescoço e repetia a frase em louvor a santa de sua devoção.

Ela era uma mulher elegante, tinha seios enormes e gostava de ostentar estes atributos e nesta campanha em Salvador ela pegou uma ficha do Governo da Bahia e no agenciamento, caiu nas graças de um sujeito que devia assinar o contrato. Ele chegou a mandar flores para o Hotel Praiamar, onde estávamos hospedados e motorista para busca-la e era o maior barato a gozação que havia, mas ela tirava tudo de letra, na boa. Bem, numa ocasião, quando ela estava numa reunião com este senhor, sabe-se lá por que, um dente dela caiu e esta mulher virou bicho. Ela exigiu que o cara pagasse o dentista e acabou conseguindo. Era uma doida inteligente. Gente fina. E de quebra, o cara assinou um belo contrato. Outros detalhes ela nunca contou. Ela sempre era alegria garantida no atendimento.

Nesta mesma viagem, já em Belo Horizonte, minha equipe pegou atribuições da região do Triângulo Mineiro e por uma questão pratica, as fichas de Uberaba foram atribuídas à Saime e o encontro da equipe seria dias depois no Novotel daquela cidade. Para facilitar a viagem dos vendedores, foi colocado no carro da Saime toda a bagagem deles, com isso, o Fiat Uno que ela havia pego na Localiza estava totalmente lotado, sobrando somente os bancos dianteiros. Eu já tinha terminado o meu trabalho e fui para Uberaba com a Saime, e como ela não gostava de dirigir, eu fui dirigindo o automóvel. É uma viagem bem longa, com mais de 05 horas de duração

O carro que estavamos ficou parecido com esse.
Saímos de Belo Horizonte por volta de 10 horas e quando estávamos na região de Araxá, o carro começou a fazer um barulho numa roda traseira cada vez que entrava numa curva e parava nas retas. Não parecia ser um problema sério, pois o carro estava se comportando bem, mas de repente, estourou o pneu traseiro e o carro ficou desgovernado e caímos num barranco de uns 04 metros e o que nos salvou foi o capim, que formou uma barreira e fez o carro capotar. Eu me levantei na hora, quebrei o vidro do parabrisa e puxei a Saime para fora, que estava toda ensanguentada e desmaida. Eu estava bem, apenas com um pequeno corte na cabeça e um ferimento na palma da mão. Com o capotamento, o volante do carro entortou, pois eu estava segurando nele com toda força, mas é tudo tão rápido que não dá para dizer que foi pensado ou reflexo. O que me preocupava naquele instante, além de tirar a Saime de perto do carro, era a possibilidade de veículo pegar fogo, pois estava vazando combustível. Arrastei ela o mais longe possível do carro, que ficou deitado sob o lado do motorista, A Saime havia caído sobre mim e gritava que estava sentindo dores no braço e havia muito sangue em seu rosto. Foi um tremendo desespero.

Alguns minutos depois de termos capotado, alguns carros começaram a parar e um deles colocou a Saime no seu carro e a levou para um hospital na cidade de Ibiá e eu fiquei para arrumar o que dava. Logo depois da Saime ter sido levada, parou um sujeito, que nunca esqueci dele, que trabalhava como vendedor da Alba Química, e veio me ajudar com a melhor disposição possível. Carregamos todas as malas no carro dele e fomos avisar a Polícia Rodoviária, que ficava a uns 35 km do local. Este cara ficou comigo o tempo todo. Fomos procurar a Saime e não tinha menor ideia de onde ela estava e fui encontrá-la por volta das 11 horas da noite num hospital de Araxá. Ela tinha quebrado o braço e sofrido vários ferimentos no rosto. Quando ela melhorou, no dia seguinte, seguimos de táxi para Uberaba para encontrar a equipe no Novotel. Antes disso, este companheiro que me ajudou na estrada, foi comigo até um posto da polícia rodoviário, uns 30 quilômetros do local do acidente e fizemos o Boletim de Ocorrência e voltamos ao local do acidente para ver se não havia esquecido nada importante, pois quando saímos estava tudo revirado e lá chegando onde estava o carro o encontramos todo depenado, sem bateria, pneus, bancos.

Depois disso, voltamos para Araxá e encontrei com a Saime e vendo que ela estava bem, procurei um hotel para ficar e ai parece que o mundo caiu em cima de mim. Doía tudo! Não tinha posição que oferecesse conforto. Era dor para todo lado, mas segundo um médico disse pra mim, que era tensão nervosa e quando eu relaxei, as dores começaram. Este estado de dor durou uns 05 dias e esta data eu não esqueço nunca, era 11 de maio, dia do aniversário do meu filho Fernando.

Voltando ao trabalho depois de 15 dias, o Falco e o Tonico, me chamaram para uma reunião e disseram que a Localiza estava cobrando o estrago do carro e que iriam descontar da Saime. Eu não sei como não fui demitido naquele dia, pois mandei os dois a merda e disse que se cobrassem dela eu iria à polícia, pois o carro estava com pneus ressolados e não iria pagar nada. No final, ninguém falou mais nada e continuamos trabalhando em paz por muito anos ainda.

O grande sucesso da epoca.
Voltando ao Hotel Praiamar, lugar onde guardo boas recordações, pois lá passamos muito tempo em diversas campanhas e o salão de atendimento era um local muito agradável, onde tinha som ambiente e o sucesso da época era um grupo que estava surgindo “Os Paralamas do Sucesso” e a música “Lanterna dos Afogados” bobava nas FMs, além de um grande sucesso de Luiz Gonzaga, cujo refrão era “Ah! Isto aqui tá muito, isto aqui tá bom demais”. O Meneghetti era o nosso capitão em matéria de música. Sabia tudo. Uma ocasião fui com ele a uma loja de discos e ele comprou uns 20 LPs, tudo com música brasileira. Neste hotel, pela sua localização, era um lugar muito visitado por artistas e autoridades. Encontrei certa ocasião no café da manhã Luiz Gonzaga e Dominguinhos. Eu acordara muito cedo aquele dia, creio que ainda não eram 06 horas quando fui tomar café e quando entrei no salão, estavam os dois conversando numa das mesas e o salão ainda estava vazio. Não resisti a tentação e fui cumprimenta-los e ambos foram muito gentis comigo, perguntaram de onde eu era e me desejaram muitas felicidades e o mesmo desejei a eles. Logo em seguida eles saíram e eu permaneci sozinho no salão ainda por um tempo, curtindo aquele momento. Em outra ocasião estava sendo realizada no hotel um vernissage de um pintor local. Estavam expostos diversos quadros e muita gente veio para conhecer as obras e durante este evento foram servidos canapés com generosas doses de uísque, nós, os listeiros, não compramos nada, mas demos presença na festa, que nas colunas sociais dos jornais enalteceram o trabalho do artista e o grande número de presentes.
Manchete da epoca, quando o Brasil perdeu para a França nos pênaltis
Duas outras recordações que ainda consigo vivenciar intensamente dentro deste hotel foi a derrota para o Brasil para França na Copa do Mundo de 88, quando o Zico perdeu um pênalti. Salvador estava preparada para uma grande festa, mas a derrota calou a cidade e nós também, pois tínhamos planos de ir ao Farol da Barra curtir o Carnaval da Vitoria, mas acabou a noite num clima de velório. Outra era a piscina do hotel, onde a maioria dos listeiros se reuniam nos finais de semana e lembro de vários, mas me vem a lembrança do vendedor Paolo, que era um grande esportista, além de jogar um bom futebol, era um excelente nadador. Também não dá para esquecer o prato mais barato e mais pedido que era o espaguete a parisiense, um prato de macarrão recheado com frango desfiado e gratinado no fogo com molho branco.  

A campanha do GBT daquele ano foi seguindo nordeste acima e em cada parada algum fato novo acontecia. Estávamos em Maceió e hospedados num hotel da região da Pajuçara. La estava minha equipe e também as outras, mas tenho uma recordação do Meneghetti e do Alexandre, que gostavam muito de comprar decorações para casa. Na época era moda e se encontrava em qualquer barraca da feirinha de Maceió, que ficava a Beira Mar, próximo do hotel que estávamos hospedados, um tipo de leque, enorme, que usava para decoração de salas. Eles acabaram sucumbindo a tentação e compraram o tal objeto, que deu muito trabalho a eles para levar intactos até o final da viagem.
Nossa próxima parada foi a cidade de Fortaleza. Lá reunimos as equipes do Alexandre, Silvio, Meneghetti e a minha. Além das equipes estavam também o Sidnei e o Falco, afinal era uma cidade turística e ninguém podia perder a oportunidade de tirar uns dias de turismo, mas eles tinham nesta ocasião um grande problema para resolver que era hospedar as equipes na cidade de Belém, a próxima etapa da campanha.

Em Belém estava havendo um congresso grande e todos os hotéis estavam lotados e aí tiveram uma grande ideia de mandar um vendedor da equipe do Meneghetti, que dizia conhecer bem a cidade e tinha contatos por lá e resolveria o problema de hospedagem. Bem, chegando a este acordo, ele embarcou para Belém com o propósito de arrumar hospedagem para mais de 40 pessoas e uns 03 dias depois ele ligou para o Meneghetti dizendo que havia arrumado um hotel, embora pequeno, dava para acolher a todos, o que causou um alivio geral, afinal, tínhamos que terminar a campanha e parar a equipe por mais de uma semana em Fortaleza era muito caro para a empresa e assim, confiante que em Belém tudo estava certo, embarcamos todos num mesmo avião e chegamos na capital do Pará. Ainda no Aeroporto, todo o procedimento de pegar carros na Localiza, desembaraço de bagagem e finalmente irmos para o hotel, que não esperávamos que fosse um hotel tipo 05 estrelas, como estávamos acostumados a ficar, mas também não estávamos preparados para ver o que estava a nossa frente: um prédio de 03 andares, acanhado, um hotel típico de rodoviária, bem simples mesmo e não havia cama para todos os vendedores, de modo que foram colocadas redes nos quartos, colchão no chão, um total desconforto. Os banheiros estavam entupidos e o atendimento simplesmente não havia.

O hotel de Belem era algo parecido com este da foto.
Numa determinada noite, houve uma discussão e o proprietário, que diziam ser homem de confiança do poder local, disparou um tiro e foi o Silvio que teve que intervir e pôr a casa em ordem. A partir deste dia, diversos vendedores passaram a dormir no aeroporto, pois não se sentiam seguros no hotel. Este fato foi verídico e não conto em mais detalhes, pois participei praticamente pouco do acontecido, mas foi com certeza, em todo tempo de LTN o pior lugar que ficamos.

Depois de terminar o Nordeste fomos trabalhar no Sul e eu fiquei escalado para trabalhar o Estado do Paraná. A base foi Curitiba e nesta parada o Tonico também estava com a gente. Num domingo sem ter nada para fazer, nós resolvemos ir conhecer Vila Velha. Fui eu, o Tonico, a Pinnati e Aílton. Foi uma das poucas vezes que tive um lance de amizade com o Tonico, via de regra, nossa relação era puramente profissional. Depois a equipe se espalhou pelo sul do Paraná e ficamos de nos encontrar dias depois na cidade de Cascavel. Lá fiquei uns 03 dias esperando a equipe. Fazia muito frio naquela época e o hotel tinha calefação central e todos os apartamentos também dispunham deste serviço, bastava apenas regular a temperatura e dormir até sem camisa, enquanto lá fora a temperatura ficava próximo de zero grau.

Visita a Vila Velha no Paraná
Os vendedores foram chegando, todos morrendo de frio, afinal, na época os carros não ofereciam nenhum recurso para combater o frio como os carros de hoje, mas quando todos estavam no hotel, saímos uma noite para festejar o encontro e agradecer que todos estavam bem, embora tivessem feito um grande pião e fomos a um restaurante de massa e lá entornamos várias jarras de vinho. Até que não bebia, aquele dia bebeu, pois, o frio era muito intenso.

Continua na próxima semana.




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