sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Capitulo 9 –  

As Campanhas das Listas Telefônicas de Ribeirão e São José do Rio Preto.

Depois de tanto tempo viajando, agora me sentia em casa. Ribeirão Preto distava de Descalvado apenas 90 quilômetros e isso permitia que eu visitasse minha família nos finais de semana. A situação financeira ainda não tinha melhorado, pois quem ainda se recorda, a LTN pagava um salário básico, acho que equivalente hoje a dois salários mínimos, além de uma verba para alimentação e combustível. Ainda não dava para se permitir nenhum gasto extra, inclusive voltar para casa, embora estivesse bem próximo, só fazia esta visita a cada quinze dias. Agora mais enturmado, via os vendedores veteranos com uma qualidade de vida muito boa, pois além do salário básico, recebiam o sonho de todos os listeiros, a comissão das vendas realizadas em campanhas anteriores, a famosa pro-rata.



A pro-rata era o sistema que mantinha a motivação dos vendedores sempre em alta. Veja como funcionava: As vendas que o vendedor realizava durante uma campanha, atingia um determinado valor, daí saia o percentual de comissão. Este valor era pago em 12 parcelas mensais iguais e este ganho só aumentava à medida que o vendedor participasse da comercialização de mais veículos. Tinha vendedores com carro do ano, ganhando em média 20 a 30 salários mínimos por mês. Era o que motivava os pezinhos, entre eles eu. Tinha feito uma boa campanha no GBT e quando começasse o recebimento das comissões, meu salário iria no mínimo dobrar, mas este dia ainda estava longe.

Apartamento Hotel Holliday Inn
Enfim chegamos a Ribeirão Preto. Hotel Holliday Inn era a nossa casa. Maravilhoso sob todos os aspectos. Café da manhã farto e apartamentos enormes, com duas camas King size. Localizado bem próximo ao centro, no sopé de uma grande ladeira, atendia perfeitamente todas nossas necessidades, inclusive, próximo dali, cerca de 100 metros ficava o posto de gasolina onde todos os dias os supervisores iam autorizar o abastecimento.
Eu não tinha amizade com o Marco Antonio, meu novo supervisor, portanto, no início, o tratamento, no início, foi muito formal, mas fui apadrinhado pela C. Dourado, uma vendedora veterana, que podia tudo. Tinha a língua afiada e com ela ninguém se metia, nem os gerentes. Vendia muito, mas era temperamental, mas quem a conheceu bem, como eu tive oportunidade, sabe que por trás de toda aquela força que mostrava, tinha um ser humano maravilhoso. 

Embora eu tivesse feito uma boa campanha no GBT, quando começamos o trabalho no Lista da Ceterp, peguei uma maré de azar e nada dava certo. Não conseguia fechar nenhum contrato e cheguei a falar com o Marcos que iria me demitir, pois não estava conseguindo vender. Como disse, ainda não éramos amigos e ele disse que o problema era meu. Se quisesse sair, ele não poderia impedir. Sai do atendimento derrubado e encontrei a Claudete, que conversou muito comigo e levantou meu animo.

Claudete e seu filho Alexandre
As vezes os  vendedores  pegavam uma maré de má sorte e ficavam 2 ou 03 dias totalmente improdutivos e aí se o supervisor não os apoiassem, eles, às vezes, acabavam desistindo. O critério de atribuição dependia do percentual físico e financeiro e se estivesse dentro dos números exigidos, o vendedor tinha direito as rendas maiores, como as fichas prêmios e especiais. Mas era aí que morava o perigo. Se o vendedor pegava uma ficha prêmio ou especial e a mesma fosse cancelada, era duro voltar ao percentual de atribuição novamente. Tinha que remar tudo novamente e assim as campanhas avançavam. No final delas, uma equipe começava a pegar a renda da outra, caso os vendedores não tivessem percentuais. Aí doía na alma.

Ver as fichas da sua equipe sendo passadas para vendedores de outras equipes e ainda ser motivo de gozação. Aliás, tudo era motivo de gozação. Tinha também um truque que era muito adotado em listas telefônicas, que chamávamos de pesquisa. Você via um número de telefone numa parede ou num anuncio de uma loja ou outro comércio, ligava para o supervisor e se aquele telefone era novo ele passava a te pertencer e tinha um vendedor que era um especialista neste tipo de serviço, dava impressão que ele visitava as cidades antes das campanhas começar, mas era um grande vendedor, chamado Benito, se não falha a memória era de Campinas.

Tipo de pesquisa
No dia seguinte, sai determinado a virar o jogo. Fui abastecer no posto ao lado do hotel. Em Ribeirão Preto eu usava somente gasolina, pois o trabalho da lista era feito em Ribeirão Preto e nas cidades circunvizinhas, todas próximas. Ali não tinha jeito de utilizar o gás de cozinha, pois não recebíamos dinheiro para abastecimento. Eu tinha comigo dois pacotes de fichas de clientes novos e tinha que fazer dois contratos para poder entrar na campanha. Até aquele momento era o único da equipe que ainda não havia feito nenhum contrato. Nas listas telefônicas, o agenciamento era diferente do GBT. Via de regra não havia tranca, havia sim alguns truques como oferecer um anuncio por um preço e dizer que estava bonificando uma inserção nas páginas de classificados, quando na realidade, tudo estava sendo cobrado e a lista de Ribeirão Preto era muito bem aceita pelo comércio local.
Eu tinha que conseguir fazer os contratos e sai determinado a conseguir. Até a hora do almoço não havia conseguido nada, mas no início da tarde, no bairro que eu estava trabalhando, que era próximo ao Bairro da Lagoinha, mas do outro lado da Via Anhanguera, eu visitei uma pequena oficina mecânica e o cliente concordou em fazer um anuncio nos classificados. Lembro como se fosse hoje, ele queria colocar o logotipo da empresa com o nome em negrito. Pronto, havia começado minha campanha. Sai dali todo motivado e feliz e fui visitar uma empresa de ônibus que ficava na mesma rua e lá também consegui fazer um pequeno contrato, mas estes dois abriram as portas para mim na campanha.
Depois deste dia, a sorte mudou de lado. Todas as rendas que eu consegui pegar eu renovei e fiz diversos contratos novos e terminei a campanha em segundo lugar, atrás somente da Claudete. Foi o máximo. Nesta altura, o Marcos já era meu amigo e me chamava de Luisão, que permanece até hoje.
Naquele hotel tinha uma lanchonete e um restaurante, onde a noite os listeiros se reuniam e aí rolava as conversas e mentiras do dia a dia. Neste hotel trabalhava uma garçonete muito simpática, que caiu nas graças dos listeiros e os veteranos fizeram pressão junto ao Sidney e a Falco para contrata-la, mesmo com a campanha em andamento. A garçonete foi contratada e veio a se tornar uma das vendedoras mais valentes da empresa. No linguajar popular, era pau para toda obra. Não tinha tempo ruim para ela. Era a Bernadete, que ficou conhecida como Pinnati e foi agregada na equipe do supervisor Silvio.

Supervisor Silvio - o amigo de todos
Uma recordação que guardo comigo ainda hoje e não me envergonho de contar foi neste hotel. As pessoas costumam jantar e após faze-lo é habito recorrente colocar a bandeja do lado de fora do apartamento, no corredor, para que a faxineira venha pegar depois. Então, sempre por volta de 21 horas, morrendo de fome subia até o último andar e vinha descendo pela escada de serviço, olhando pelos corredores se não havia bandeja do lado de fora. Sempre tinha um pedaço de pão ou batata frita ou mesmo um bife, que acabava sendo o meu jantar. Não tinha dinheiro para jantar todo dia e o jeito era se virar como podia. Não é fácil ficar hospedado num hotel 05 estrelas, com o frigobar totalmente abastecido e não poder usufruir.
Meu companheiro de apartamento naquela campanha era o C. Pereira, um sujeito adorado por todos, mas muito doido. Aprontava com todo mundo. Quem lembrar dele vai saber como ele era. Quando terminava o trabalho ele aprontava com os outros vendedores. Era a maior farra nos apartamentos, o que causava muitas dores de cabeça para a gerencia do hotel e para os gerentes da LTN.
Foi uma bela campanha a Lista de Ribeirão Preto. Aprendi muito e estava na hora de partimos. Nosso próximo destino seria a cidade de São José do Rio Preto. Uma lista completamente diferente da Lista da Ceterp, pois era uma lista que atendia inúmeras cidades, algumas distantes da cidade sede. Lá ficamos no Hotel Globo Rio, um hotel menor que o Holiday Inn, mas que tinha acabado de ser inaugurado. Era muito bom também.
Hotel Globo Rio de São José do Rio Preto
O Hotel Globo Rio fica localizado na Rua Bernardino de Campos, bem próximo do centro da cidade, da loja da Telesp e também próximo da Rodovia Washington Luis. Era fácil para qualquer listeiro sair e chegar daquele hotel e foi lá que estreitei minha amizade com a Nair (Naná). Passamos a fazer TJ diariamente. Eu entrava com meu carro movido a gás e ela com sua experiência. Aprendi muito macetes na comercialização das listas telefônicas da Telesp, que embora fosse igual à da Ceterp, o trabalho era totalmente diferente.
Lembro que neste hotel, que acabara de ser inaugurado, o elevador era revestido de aço inoxidável, e o mesmo estava impecável quando o grupo chegou, mas não demorou nem uma semana para todos serem chamados no atendimento para ouvir um daqueles sermões de doer até na alma. Imaginem a cena, o salão de atendimento lotado, com mais de 50 vendedores espremidos, pois o espaço não era tão grande e na frente os supervisores, gerentes e um só motivo: quem havia riscado o elevador? Lógico que o culpado até hoje não apareceu, mas a represália veio. A LTN teve que pagar pelo polimento do elevador, e os supervisores ficaram na marcação dos vendedores em relação aos TJs. Se fossem pegos, perderiam o prêmio da semana, recebiam carta de advertência e estavam sujeitos a serem demitidos por justa causa.
Para saber se o vendedor estava trabalhando acompanhado, os supervisores se revezavam em fazer tocaia nas entradas da cidade. Ficavam sob a ponte da Washington Luis, onde obrigatoriamente teriam que passar os vendedores que fossem trabalhar na região de José Bonifácio, Catanduva, Barretos ou na entrada da Avenida Bady Bastis para aguardar a chegada dos vendedores que fossem trabalhar na região de Mirassol, Fernandópolis, Santa Fé. Era uma operação de guerrilha, terror completo. Se alguém fosse pego, além das punições citadas, tinha a mais grave que era perder a gasolina. Era aí que o bicho pegava.

Vou recordar de um drama que todo mundo vivia. Voltar para casa nos finais de semana. Era difícil, pois quase sempre estávamos sem dinheiro e as outras dificuldades que cada um passava. Como todos se lembram, o atendimento era individual e o atendimento das sextas feiras era o pior de todos, pois era somente após o representante ser liberado é que ele iniciava a viagem para sua cidade e para isso ser possível durante a semana era um tal de guardar gasolina para ser usada na viagem.
Apesar das dificuldades, havia muita solidariedade entre os vendedores, pois as sextas feiras saiam alguns em comitiva outros sozinhos e seguiam para seus destinos. Recordo que certa feita, trabalhando na região de Presidente Prudente, eu e o Silva, um vendedor de Ribeirão Preto, saímos de viagem por volta de 18 horas e chegamos em Ribeirão por volta de 01 hora da madrugada e eu as 02 horas da madrugada em Descalvado, para no domingo à tarde repetir o mesmo itinerário de volta. Era muito risco que se corria, considerando o estado das estradas e dos carros da época. Daí a necessidade de poupar gasolina.
Guardar gasolina era o grande segredo de voltar para casa 
O êxodo dos hotéis nos finais de semana era quase total. Ficavam apenas alguns que por falta de dinheiro não tinham como retornar para suas casas, mas sempre nas segundas feiras tinha uma história nova para justificar um atraso. Meu carro quebrou, dizia um vendedor que chegou atrasado e a resposta clássica do Manoel, mas você é mecânico? Ou então, tive que levar meu filho no médico e a resposta também irônica, mas você é médico? Não tinha moleza, pisou na bola, lá vinha o troco. Numa viagem num final de semana, o Cavalcanti voltava de São Paulo, quando ao passar pelo pedágio de Cravinhos, já chegando em Ribeirão Preto, ele perdeu o controle do veículo de bateu num barranco. Ele teve ferimentos leves e tinham alguns vendedores com ele nesta viagem que tiveram algumas escoriações. Era sempre um grande risco estas viagens, mas mesmo assim, toda sexta feira, a debandada acontecia.
Uma ocasião tinha ido para minha casa e para retornar à Araçatuba, sai de São Carlos por volta das 22:00 hs. Naquele tempo as estradas nem de longe eram iguais as atuais e estava já chegando na região de Penápolis, creio que por volta de 1:00 hs, quando vejo no meio da pista uma boiada inteira deitada no leito da pista. Freio para que te quero, o carrinho até entortou tal a pressão que eu fazia para o mesmo parar e consegui faze-lo a menos de 5 metros do primeiro boi que estava deitado no caminho. Buzinando e com muita paciência, passei ileso e terminei a viagem. Foi um dos maiores sustos que levei em viagens.
O sonho de todo listeiro: O selinho da Facchini
O grande prêmio da campanha de São Jose do Rio Preto era o selinho, um tipo de publicidade que saia em todas as páginas da lista de assinantes e endereços e está ficha era da Empresa Fachini, fabricante de carrocerias de caminhões, localizada na cidade de Votuporanga e todo mundo queria ter esta ficha na sua linha, tanto que ela ficava de posse dos supervisores chefes e era renovação certa e dava uma ótima comissão para quem a pegasse. Naquele ano, ela foi atribuída por sorteio entre os melhores percentuais e resolvida, mas nem cheguei perto de participar. Era duro competir com os veteranos faixas A.
Mas a região também tem boas recordações de outros vendedores, que se fossemos enumera-las aqui daria para escrever um livro somente com as histórias de Rio Preto, mas tem uma que acabou em casamento. Eu estava com uma ficha de uma clínica médica que ficava próxima a Santa Casa de São José do Rio Preto e na ocasião, enquanto aguardava minha vez de ser atendido fiquei conversando com a secretária da clínica e por coincidência, era aniversário dela naquele dia. Oba! Vai ter festa, perguntei? Vai nada, apenas um bolinho, mas se quiser aparecer por lá, será bem-vindo. O convite fora feito por educação, mas entendi de outra forma e pedi o endereço, que prontamente ela me forneceu. Era na Vila Toninho, bem distante do Hotel Globo Rio, onde estávamos hospedados. Em seguida, fui atendido pelo médico que era o proprietário da clínica e ele fez a renovação da publicidade e quando sai da sala do médico, fui me despedir da secretária, e ela disse que esperava a noite para comer o bolo. Disse que iria e que levaria um amigo. Tudo bem, ela disse. Então até a noite, respondi e sai para fazer o meu trabalho e esqueci o assunto. À tarde, no atendimento, comentei o fato com o Jocafe e como não tínhamos nada para fazer, resolvemos ir no tal aniversário. Era um lugar bem difícil de chegar, pois ficava numa rua pequena, num canto da Vila Toninho, que na época ainda estava em formação.
Hoje aquele bairro é praticamente uma cidade, mas na época, a maioria das ruas nem asfalto tinha, mas acabamos chegando no nosso destino. Lembro que era uma casa modesta. Paramos em frente à casa, batemos palmas para sermos atendido. Quem veio nos atender foi um senhor que depois de nos apresentar, disse que era pai da aniversariante e que ela estava tomando banho, mas que podíamos entrar. Entramos, tímidos, e sentamos no sofá da sala. Apareceram mais umas pessoas para nos cumprimentar e alguns minutos depois, a aniversariante. Que legal que você veio! Trouxe um amigo? Apresentei o Jocafe a ela e foi amor à primeira vista. Deste dia em diante, o Jocafe continuou a se encontrar com esta garota e estes encontros resultou em um relacionamento sério. O Jocafe se desligou da empresa e soube tempos depois que ele havia se casado com ela.
 
Era uma mala bem grande
Tem uma outra história engraçada que aconteceu com o Manoel, que na época ainda era vendedor. Ele adquiriu para trabalhar uma pasta enorme, feia, segundo ele, um modelo usado por vendedores que trabalhavam porta a porta, levando produtos. Não era a pasta ideal para trabalhar em agenciamento de publicidade, mas vejam o que o Manoel conta:
“Fiquei na cidade o fim de semana e aproveitei o sábado para visitar uns clientes novos (com minha bolsa). Peguei uma ficha e fui visitar em um bairro, chegando lá era uma residência (as vezes recebíamos fichas com telefones comerciais instalados em residências), bati palmas para confirmar se era residência mesmo, apareceu uma negona lá no fundo e eu gritei lá do portão o proprietário está? …ela viu minha bolsa e gritou para patroa dela: Dona Maria tem um MASCATE lá no portão querendo vender alguma coisa…para vocês verem como era esquisita minha pasta (bolsa)


Estava na hora de partir para Araçatuba e depois Presidente Prudente, cada vez mais longe de casa. Mas era o nosso trabalho e tínhamos que seguir em frente, mas isto é assunto para o próximo capitulo.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Capitulo 8 –  Fim de Campanha

Depois de mais de três meses viajando pelo sul do Brasil e pelas cidades do Estado do Rio de Janeiro, inclusive com muito trabalho na capital, estávamos de volta a São Paulo. Era a última etapa para fechar a edição do Guia Brasil Telex daquele ano. Voltamos todos os que moravam no interior a se hospedar no Hotel Bristol e os de São Paulo em suas casas. 

Todos estavam na expectativa do início do ciclo das Listas Telefônicas, onde, segundo os vendedores mais experientes, afirmavam ser mais fácil trabalhar, pois era um produto mais vendável que o GBT. Para mim, acreditava ser tudo igual, pois durante o tempo que estive trabalhando nas viagens, tinha um aproveitamento considerado de ruim para regular. Sofria muito para ficar dentro dos percentuais. As equipes eram formadas em média por 07 a 08 vendedores e eu estava sempre entre o quinto e o sexto, embora em alguns momentos segurei a lanterna da equipe.

O nosso trabalho era simples, tínhamos que visitar e vender anuncio para empresas que tinham telex e estas atribuições eram entregues aos vendedores, sempre em envelope indevassável, que nem os supervisores sabiam o tinham dentro, aliás, depois de fechado os pacotes, ninguém sabia mesmo, nem mesmo o Manoel, que com seu famoso “jacaré”, uma engenhoca que ele inventou para separar as fichas. Era tudo no escuro e dentro dos percentuais. Mas o trabalho não acabava aí, tinha os famosos PRTs, e isto merece ser melhor explicado.Aquele que conseguiu viver sem fazer os famosos PRTs, não trabalhou na LTN ou não trabalhou. Tinha vendedor que fazia PRT até de IA, acreditem quem quiser.

Primeiro dia de trabalho, parece que os vendedores sofreram amnésia coletiva, ninguém sabia mais nada e aí para que serve os veteranos? Para sacanear os pezinhos, claro! No começo, ainda a maioria entrava improdutivo ou no máximo vendia uma IA e os mais ousados um MA ou NG, mas devagar as coisas iam acontecendo e os problemas aumentando. O que fazer quando conseguia uma venda de valor grande? Acertar o contrato na frente do cliente? Nem pensar, a noite se faz o PRT e olha que mesmo assim se fazia cada barbaridade, e aí o supervisor devolvia o contrato ao vendedor e ele fazia PRT dos PRTs e tinha vendedor que chegava a ficar com o contrato sem saber como fazer por quase uma semana. Resolvia quando se ameaçava cortar gasolina, prêmio. Mas o PRTs era temido. Dependendo do humor do supervisor, o vendedor ficava fazendo PRTs até tarde da noite. A LTN era um lugar muito bom para trabalhar, viver na comunidade, as viagens, as aventuras, mas os PRTs, ninguém merece... e esquece.

Mas as besteiras não paravam aí e sempre sobrava para a equipe que estava fazendo o agenciamento no ano das rendas feitas no ano anterior e era praxe trocar as equipes e por isso dificilmente o mesmo vendedor visitava o mesmo cliente duas vezes. O que pode vender uma empresa que produz aço em grande escala? Quem poderia ser cliente desta empresa que se utilizaria do telex para fechar algum tipo de negócio? Vocês sabem a resposta: ninguém. 
 
Companhia Siderúrgica Nacional - Volta Redonda
Bem, teve um vendedor que fez um contrato monstruoso com a Siderúrgica CSN de Volta Redonda, cidade localizada no interior do Rio de Janeiro, enorme mesmo e para justificar o valor do contrato, colocou páginas inteiras com o logotipo da empresa, em todos os títulos que coubesse aço, desde arame até vergalhão. De verdade, umas 30 páginas ou mais, fora os logotipos, quarto de páginas com telefones, enfim, um verdadeiro show de marketing e de PRTs. Ganhou muito dinheiro com esta venda, mas no ano seguinte para renovar, foi uma outra história.  Eu tive que ir na empresa, já na condição de supervisor, pois a ficha caiu na minha equipe e enfrentar dois diretores furiosos, que falaram alhos e bugalhos e tive que aguentar firme. No final consegui fechar um acordo, oferecendo um desconto no valor das mensalidades, mas este contrato que era um dos maiores, continuou posteriormente, mas dentro de uma realidade mais adequada ao tipo de comercio que a CSN utilizava.

Eu já tinha a duras penas alcançado os índices para uma atribuição que daria direito a ficha prêmio, que vinha acompanhada com pacotes de A e B, além de 01 pacote de fichas de clientes novos e todos eram da cidade de Sorocaba. Analisando as fichas como todo vendedor fazia, não tinha grandes esperanças de ter uma boa produção, mas aquele foi um dia especial, que atribuo minha permanência na LTN depois deste dia. Pela ordem, para ganhar confiança, visitei os clientes das rendas B e renovei as duas, depois fui no cliente da renda A e renovei com um aumento na inserção que ele tinha e finalmente a renda prêmio foi renovada sem nenhum problema. Ainda estava no meio do dia e dava tempo de visitar algumas fichas de novos. 

Tecelagem Cianê da cidade de Sorocaba

Normalmente, quando uma empresa tinha muitas filiais, ela possuía diversos telex e uma empresa que visitei, a Cianê, uma grande indústria de tecidos, tinha mais de 50 aparelhos de telex espalhados pelo Brasil. Chegando na empresa, conversei com um assessor da diretoria sobre o que estávamos fazendo e fiz a famosa conferencia das fichas e perguntei se tudo ficaria como estava ou haveria mudança. Falei um valor por telex e ele pediu licença e entrou para conversar com a diretoria da empresa e eu fiquei esperando na recepção. Confesso que estava agoniado, pois se eles concordassem, seriam meu maior contrato até então. Demorou uns 40 minutos até este assessor voltar. Vocês que já passaram por isso sabem o que representava ficar esperando numa recepção o cliente retornar.

Depois deste tempo, que para mim pareceu dias, ele volta todo sorridente, com o contrato assinado por dois diretores, com o extenso colocado corretamente, além de colocar o carimbo da empresa abaixo das assinaturas. Agradeci muito a ele e sai dali rapidinho e sentei no carro uns minutos para recuperar da emoção. Ainda naquele dia, consegui fazer mais dois contratos de clientes novos e a noite no atendimento, o Cavalcante brincou muito comigo e eu subi para terceiro na produção da equipe, lugar que mantive até o final da campanha.

Estava na hora de se despedir de São Paulo. Só voltaríamos a sede da LTN em dezembro e eu levava comigo as lembranças daquela cidade como almoço rotineiro num restaurante que ficava na saída do Galeria Metrópole, onde tinha uma agencia do Banco Nacional no segundo andar, da Rua 07 de Abril, da agência do Banco Itaú, onde tínhamos a conta salário e todos aplicavam no Over Night, que era a bola da vez na época. Dava uma ilusão de ganhar muito dinheiro, mas a inflação do outro lado levava tudo. Era muito doido. Ali mesmo, saindo do Banco Itaú, a direita tinha um restaurante que servia uma bisteca sensacional, além de umas lojas de camisas e meias na Rua Marconi. Como esquecer do Mappin! 

Mappin nos idos de 1986

Era quase um ritual no intervalo do almoço ir almoçar naquela praça, quando não ia ao Bar do  Dinei, e dar uma passada no banco, passar na sede da Telefônica, ou mesmo descer até Barão de Itapetininga para apreciar a movimentação. Sempre que podia, a noite ia ao Cine Ipiranga, na época o melhor cinema do centro de São Paulo e na última vez que passei por ele, estava todo abandonado, servindo de abrigo para moradores de rua.

Interior do Cine Ipiranga


Mas a campanha chegara ao fim. As comemorações de praxe e o Cavalcante havia vencido a campanha. Os faixas A, como Agno, Marçola, Ribeiro, C. Dourado, Lucas e outros tinham feito produções enormes e foram os grandes vencedores, mas agora iria começar uma nova etapa. A temporada das listas telefônicas iria começar e no sorteio das novas equipes, tive sorte novamente e fui trabalhar com o Marco Antonio Ramos e nosso primeiro trabalho era a queridinha da empresa: a Lista Telefônica de Ribeirão Preto. Ia começar tudo de novo.

sábado, 14 de janeiro de 2017

Capitulo 7 –  A cidade maravilhosa.

Era a primeira vez que eu ia a cidade do Rio de Janeiro e estava ansioso e curioso para conhecer a Cidade Maravilhosa, suas belezas naturais, ir até o Corcovado, visitar o Cristo Redentor, fazer o passeio de bondinho até o Pão de Açúcar, curtir as praias de Copacabana e Ipanema. Era tudo um sonho que eu levava comigo na imaginação, e esperava realiza-lo quando lá estivesse. Nosso ponto de encontro foi o Hotel São Francisco, localizado na esquina da Avenida Presidente Vargas com a Avenida Rio Branco, bem no centro da cidade. Era um movimento de gente passando pelo local, que eu nunca tinha visto até então. À noite, como por encanto, aquele local que era um verdadeiro congestionamento humano, ficava praticamente deserto. Próximo do hotel tinha um restaurante e lá que os listeiros se reuniam para conversar após o trabalho.


O Hotel São Francisco está instalado num prédio antigo e não tinha a mesma qualidade dos hotéis que havíamos ficado em Porto Alegre, Blumenau, Curitiba, Londrina e São Paulo, mas tinha um bom café da manhã, que ainda era a única refeição decente do dia. O café da manhã deste hotel era servido também numa grande mesa, com diversos tipos de alimentos, mas tinha uma diferença que ajudava muito, que era a forma como os alimentos eram servidos. Os bolos eram todos em embalagens individuais, bem como os danones e os achocolatados e aí fazíamos a festa. O paletó de couro que eu ainda usava era um deposito para guardar comida. Enchia todos os bolsos com o que conseguia pegar e guardava no frigobar do apartamento. O café da manhã passou a ser também o jantar. E não era somente eu quem fazia isto. Quando o café terminava para os listeiros, a mesa que ficava os bolos e pães ficava praticamente limpa. As copeiras nem se importavam com isso, pois repunham tudo rapidamente.


O sonho de conhecer os pontos turísticos da cidade foi ficando distante, pois tudo era muito caro e os ingressos para fazer uma visita ao Cristo Redentor ou mesmo conhecer o Pão de Açúcar era completamente impossível naquele momento diante do dinheiro que dispunha. Ficaria para uma próxima vez. Dava uma pontinha de inveja dos veteranos, que tinham dinheiro para frequentar bons restaurantes, boates, enquanto a gente, comia pão do café da manhã, que ficava guardado durante o dia na geladeira do frigobar.

Durante a campanha em Porto Alegre, o vendedor Brito, conheceu uma gaúcha muito bonita e aparentemente com muito dinheiro. Ela se apaixonou e veio atrás dele no Rio de Janeiro e eles se hospedaram numa suíte do Hotel Novo Mundo. Como tinha feito amizade com ela em Porto Alegre e o Brito era meu amigo de TJ, ia sempre a noite, após o atendimento visita-los. Ela ficou no Rio por uns 10 dias e saímos algumas vezes para jantar em alguns restaurantes, tudo pago por ela. Não sei como tudo terminou, mas ficou uma boa lembrança, tanto da gaúcha como do Hotel Novo Mundo, pois dali se avistava o Pão de Açúcar e também o Corcovado e na frente tinha a Marina da Gloria e o imenso jardim do Aterro do Flamengo, que foi construído pelo homem, roubando aquela faixa de terra do mar. É um lugar muito bonito e vizinho de um lugar histórico, o Palácio do Catete, onde funcionou o Governo Federal até sua transferência para o Palácio Guanabara e posteriormente para Brasília. Neste palácio foi que houve o suicídio de Getúlio Vargas.

Ainda, depois de tantos anos, recordo das tiradas do Cavalcante, que dizia para as mulheres “força nas tetas amiga, se não vende” ou quando defendia um contrato junto a um cliente que reclamava do valor cobrado. Ele dizia com a maior tranquilidade – “ O senhor precisa engessar a mão, já que não lê o que assina” Do jeito dele, pegava no pé do vendedor mesmo.

Bem, certa feita peguei uma ficha de novo da empresa Tintas Internacional, de Niterói e como eu era especialista em fazer IA e com um pouco de coragem uma MA, naquele dia, me enchi de valentia e consegui fazer um contrato de valor alto para meus padrões, nada comparado com os faixas A, mas era um bom contrato e o dito cujo que me atendeu assinou o contrato e colocou o cargo Controller. Sai da empresa rapidinho e a noite entreguei o contrato para o Cavaca e ele até me elogiou para a equipe. Peguei uma boa atribuição, mas no dia seguinte, à tarde, no atendimento, ele me devolve o contrato, dizendo que o cliente não havia colocado o extenso. Na hora fiquei gelado e no dia seguinte tive que voltar no cliente, confesso que suava frio, mas no fim tudo terminou bem, pois o cliente utilizava muito o telex na época e achou conveniente pagar o que estava sendo cobrado pela publicidade. O contrato entrou, foi publicado e renovado no ano seguinte.

Uma outra ocasião fui atribuída com fichas do Bairro de Madureira e Bangu e tinha um vendedor chamado Brito, que também tinha fichas naquela região e resolvemos burlar as ordens da supervisão, resolvemos sair em TJ, em meu carro, pelo fato de ser mais econômico, pois era movido a gás. Quem já trabalhou no Rio de Janeiro ou conhece aquela cidade, sabe que ela é imensa e os locais que iriamos trabalhar distavam cerca de 50 quilômetros do centro e lá não lembrava nada as belezas naturais da cidade, eram bairros simples, muito habitados, mau sinalizados.

Em suma, era complicado localizar os endereços das empresas a serem visitadas e como na época ainda não tínhamos GPS, o único recurso que sobrava era ir perguntando para um, para outro, mas o trabalho não rendia. Perdia-se muito tempo com isso e resolvemos então contratar uma pessoa da região para ir conosco. Escolhemos um rapaz de uns 25, falante, simpático e jurava que conhecia tudo. No começo funcionou bem, ele nos levou a uns endereços e o dia estava prometendo ser produtivo. O que não sabíamos é que este rapaz era epilético e quando estávamos nos dirigindo ao um endereço ele teve uma crise e começou a tremer e a babar. Ficamos em desespero e por acaso encontramos um carro de polícia, que nos ajudou a descer o rapaz do carro e o deitamos na calçada. Quando ele melhorou, pagamos a ele e seguimos nosso trabalho sozinho.

Dias depois, voltei a região, desta vez sozinho e confesso que passei o maior medo de minha vida. Estava visitando as empresas e com a mesma dificuldade de localizar os endereços, quando entrei numa rua estreita e fui abordado por um grupo de malandros, que cercaram o carro e vieram com ameaças que estava invadindo o território deles. Expliquei que estava trabalhando, que morava no interior de São Paulo e estava perdido, procurando endereços de empresas. O chefe daquela turma disse que eu parecia ser um cara legal, mas teria que dar uma carona para eles até um outro bairro. Claro, respondi, podem entrar. E entraram seis sujeitos e se amontoaram no banco traseiro do Chevette e na frente, no banco do passageiro, sentou o chefe da gangue e daquela maneira, rodei uns 10 quilômetros pela região de Bangu. Confesso que temia pela minha vida, pensava na minha família, mas o medo era tanto que se transformou em calma e consegui levar o pessoal até onde eles queriam. Quando descera do carro, o chefe deles me agradeceu e desejou boa sorte. Sai dali e voltei direto para o Hotel.

Naquele dia voltei improdutivo e as fichas de novo que eu tinha ficaram sem visitas. Contei o caso para o Cavalcante, que tirou um sarro com minha cara, mas entendeu o momento.Assim, as semanas foram passando e estávamos terminando a campanha no Rio e só restava uma parte de São Paulo para encerrar a campanha do GBT e em seguida as equipes seriam trocadas e passaríamos a trabalhar lista telefônica. Antes de sair do Rio de Janeiro, teve uma situação que merece ser contada. Foi numa sexta feira.

Hoje quem fala no Manoel Norberto Santander vem em primeiro momento a imagem daquele cara alegre, brincalhão, bom papo e um grande amigo, mas ele era foda como supervisor chefe, pegava no pé mesmo, principalmente dos pezinhos e eu era um deles, ainda era um vendedor iniciante e quando chegava para ser atendido pelo Cavalcante sempre ficava inseguro, pois minha produção era sempre pequena e como vendedor vive de produção, sempre ficava a sombra de uma possível demissão. Eu não conversava com nenhum dos chefes, salvo se me perguntassem alguma coisa. Exclusivamente, para mim, o Cavalcante era a LTN. Falar então com o Manoel, com o Falco ou com o Sidney nem pensar. Suava frio se precisasse faze-lo.

Num final de semana eu resolvi ir visitar minha família em Descalvado e para minha surpresa, o Manoel, num raro momento, conversou comigo e disse que seu eu fosse para casa ele iria comigo.  Bem, como já contei anteriormente, eu tinha um Chevette a gás e o carro já estava no limite da resistência. Como tinha medo que o carro não fosse aguentar a viagem, pedi emprestado o carro da Guerreiro, um Passat, que ela deixava na garagem do hotel e levava apenas para mostrar que estava com carro, pois só trabalhava de TJ ou de táxi.

Bem, saímos do Rio de Janeiro por volta das 18 horas e o Manoel na dele. De vez em quando trocávamos algumas palavras, mas como a gente não tinha nada em comum, a não ser o trabalho, o silencio era enorme. Minha missão: leva-lo a Ribeirão Preto, depois ir a Descalvado, onde morava e no domingo pega-lo em sua casa em Ribeirão Preto para estarmos no Rio de Janeiro na segunda de manhã. O roteiro foi cumprido, mas as conversas ficaram para muito tempo depois e a nossa amizade também. Hoje, tenho o Manoel como um dos melhores amigos que tive em todos os tempos e sinto muito orgulho disso. Tivemos muitos momentos alegres, alguns difíceis, mas sempre estivemos dando força um para o outro e isso permanece até hoje.
A campanha no Rio de Janeiro de tantas belezas tinha chegado fim. Agora restava enfrentar a Via Dutra e voltar para o Hotel Bristol, onde encerraríamos o GBT daquele ano.


sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Capitulo 6 – De volta às estradas

Depois da ressaca do final de semana, chegou finalmente a segunda feira que muitos de nós estava aguardando ansiosamente e ao mesmo tempo com aquela pontinha de medo e ansiedade. Iriamos literalmente fazer aquilo para o que fomos contratados, ou seja, renovar e fazer novos contratos de publicidades, só que agora sozinhos. Meu destino inicial era a cidade de Santa Maria, distante 200 quilômetros de Porto Alegre, onde eu teria que renovar algumas fichas de renda e se manter dentro do percentual físico e financeiro para que tivesse direito a uma nova atribuição.

Para quem não se recorda, o sistema era perverso neste aspecto, mas apesar desta característica, funcionava, pois, cada vendedor para ter direito a uma nova atribuição, deveria ter um percentual de aproveitamento físico superior a 105%, ou seja, tinha que ter sempre um crescimento de 5% na sua produção e manter sua linha de produção financeira no mínimo acima de 120% para ter direito a rendas de maior valor, como as Prêmios e Especiais. Se por acaso, o vendedor estivesse com os percentuais abaixo de 100%. Tanto físico ou financeiro, teria que trabalhar clientes novos até atingir o teto mínimo estabelecido pela empresa. 

Era fácil perder o percentual, bastava cancelar um contrato de valor alto, que você comprometia toda sua campanha. Vou citar um exemplo clássico. Você tem um percentual físico superior a 105% e um percentual financeiro superior a 120%. Com estes números, você teria direito a ser atribuído com uma ficha especial, que renovada daria um grande avanço no seu faturamento, uma ficha prêmio, que também tinha um ótimo valor para ser renovada, uma ficha A e duas fichas B e um pacote somente com clientes novos. Se tudo corresse bem e o trabalho do vendedor anterior tivesse sido bem feito, então você ficava bem na fita, mas se tivesse a infelicidade de cancelar os contratos, principalmente os de renda alta, você estava condenado a ficar visitando cliente novo, que eram os mais difíceis de serem convencidos, até voltar ao percentual, enquanto isso, a campanha seguia e os Faixas A, já com toda a experiência adquirida, levavam tudo.

Cabe aqui um esclarecimento. As atribuições eram sempre feitas à noite, após o atendimento do vendedor. Se o vendedor entrasse com um contrato alto, ele era atribuído com todas as rendas que seu percentual permitisse. No dia seguinte, os contratos eram todos checados e se este contrato grande que tinha permitido ao representante pegar uma grande atribuição, fosse cancelado pelo supervisor, por qual motivo fosse, o vendedor não seria punido em nada, pois continuava com a atribuição recebida. Muitos vendedores faziam contratos, sabendo que os supervisores iriam cancelar, mas que permitia a eles continuarem dentro dos percentuais.

Quando havia viagens como a que eu estava iniciando, o sistema era diferente. Para reduzir os custos, era atribuído ao vendedor todas as fichas daquela cidade e ele teria que prestar conta do seu trabalho quando voltasse a se encontrar com seu supervisor em outra cidade. A cidade de Santa Maria era uma das maiores do interior do Estado do Rio Grande do Sul e minha atribuição previa visitar algumas empresas e como todas eram fichas de valores pequenos, consegui renova-las e ainda acrescentei na minha linha dois contratos de novos. Imaginem a minha felicidade. Estava dentro do percentual e era isso que importava naquele momento. Terminando o trabalho em Santa Maria, a próxima cidade que iria visitar seria Ijuí e lá tem uma história que vale a pena ser contada.

Entre vários “causos” que aconteceram comigo e com certeza com alguns de vocês também, tem aqueles que considero inesquecíveis e sempre que posso conto para os meus amigos mais próximos e hoje vou contar para vocês, aliás, vou contar dois e que aconteceram na minha primeira viagem, quando sozinho sai de Porto Alegre, no meu velho Chevette 74, movido a gás de cozinha e fui trabalhar no interior do Estado e posteriormente encontrar com a equipe em Blumenau. Coisa de doido, principalmente para a época, pois as estradas eram horríveis. 

Nesta viagem teve dois fatos que guardo com carinho. Tinha saído da cidade de Não Me Toques e alguém sugeriu que seu eu cortasse por uma estrada de terra, iria economizar uns 30 km até Ijuí. Topei na hora, pois a palavra economizar soava como música para meus ouvidos e por uma destas coisas inexplicáveis eu tinha comigo um rolo de corda no porta malas e no meio desta viagem, tinha uma família, com o carro quebrado, pedindo socorro, numa estrada de terra que tinha somente pastos e mais nada. Parei para ver se podia ajudar – não sei se faria isso hoje – e notei que o carro deles tinha estourado uma correia e não iriam conseguir sair dali se não fossem guinchados. O que eu fiz então: Amarrei o carro deles atrás do chevette com a corda que sei lá por que razão  levava comigo e reboquei o carro daquela família por uns 20 km quilômetros, deixando-os numa pequena cidadezinha, mais parecida com uma vila e segui viagem para Ijuí.

Em outro momento desta viagem, já próximo de Catanduvas, já no Estado de Santa Catarina, já havia escurecido; estava fazendo um frio tão grande e baixou uma cerração tão forte, que não dava para saber onde estava, o farol não conseguia clarear a pista e fui rodando bem devagar, com o coração na mão, quando no meio do nada avisto uma luzinha amarela, bem fraquinha devido a cerração e eu disse pra mim mesmo – é lá que vou parar. Sorte de principiante. Era um hotel de beira de estrada, simples mesmo, mas foi maravilhoso encontra-lo. Passei muito frio, não tinha café da manhã, mas este hotel foi inesquecível, pois pode até ter salvado minha vida. No dia seguinte, antes de chegar a Catanduvas, pude ver o tipo de estrada que estava viajando. Era curvas e barrancos. Deus protegia os listeiros.

Tanto esforço por nada. Ao chegar em Catanduvas, fui procurar a empresa que devia visitar e não encontrei, pergunta aqui, pergunta ali e nada de encontrar alguém que soubesse da empresa que eu estava procurando, quando percebi o erro. Quando na separação das fichas, alguém por engano, trocou a ficha da cidade de Catanduva, que fica no interior de São Paulo e a colocou como sendo Catanduvas, em Santa Catarina. Este engano custou quase dois dias de viagem e quando cheguei a Blumenau, as atribuições daquela cidade já estavam no fim. 

Blumenau - Uma das mais belas cidades brasileiras
Mas, foi aí, nesta cidade, que tive a primeira lição do que era ser um vendedor de anuncio em lista telefônica. Devido ao meu resultado pífio do meu peão, o Cavalcante pediu que eu saísse em TJ com meu xará, Luis Antonio Guerra, um listeiro, por coincidência, da cidade de Catanduva, que realmente me ensinou diversos macetes de como abordar um cliente, como evitar um cancelamento, como sair de situações constrangedoras criadas por vendedores anteriores e como melhorar meu aproveitamento nos agenciamentos. 

Comecei a partir deste momento, dar adeus as IA e MA e passei a ser um pouco mais agressivo e minha posição na equipe melhorou e passei a ser adotado por toda a equipe, inclusive pelo Agno, que até então mal me cumprimentava.De Blumenau fui trabalhar no Paraná, terminando meu trabalho na cidade de Londrina. Não me destacava, mas não era mais um dos piores, estava melhorando dia a dia no agenciamento e nas atribuições. A próxima etapa do trabalho seria o Rio de Janeiro e em seguida o interior de São Paulo, onde terminaria a campanha daquele ano. Mas antes de contar as aventuras do Rio de Janeiro, eis o que aconteceu na volta de Londrina.

Tem uma história interessante que aconteceu em outra época com a Léa, que também não tinha a menor afinidade com dirigir, principalmente em estradas. Aos trancos e barrancos, ela saiu de São Paulo, com destino a Porto Alegre e chegando em Curitiba, já exausta e desesperada, parou num posto de gasolina para se recuperar, e perguntou a um passageiro de uma empresa de ônibus qual o melhor caminho para ir a Porto Alegre. O homem respondeu que devia ser pela Serra (BR 116) e acho que notando a insegurança da Léa, ofereceu para ir com ela, pois ele motorista profissional e poderia ajudá-la a levar o carro. De pronto ela aceitou. O carona, morava em Novo Hamburgo e ainda restava um grande trecho para ser percorrido. A viagem foi melhor que a Léa imaginava, veja como ela conta:

”Aceitei...arrumei um companheiro de viagem, outros tempos, além de que ,ele era caminhoneiro, conhecia lugares lindos...além de que ele dirigia.....me lembro que até adormeci depois que almoçamos....aliás...foi fantástico o almoço...paramos um churrasco público, que comprovamos um espeto que estava sendo assado em a grande vala.....sentamos embaixo de uma árvore com um copo de plástico ,tomamos chopp ,foi ótimo....seguimos viagem...me lembro de uma clareira onde os caminhoneiros descansava m...era cheia de orquídeas...lindíssimas, além das estórias das mulheres que ali estavam...lavando roupa em a cachoeira... crianças...um universo fantástico....enfim...seguimos viagem.”
Chegaram a Novo Hamburgo a noite e de lá até Porto Alegre a Léa, seguiu sozinha pela Free Way, a melhor estrada do Estado e chegou no hotel já tarde da noite, encontrando o Falco preocupado, mas tudo terminou bem.
Garganta do Diabo do Lado Argentino

Mas nem sempre tudo era trabalho! As vezes conseguíamos tirar momentos de folga e quando coincidia com um lugar turístico, então era muito melhor. Uma ocasião estávamos em Foz do Iguaçu e como todo turista, fomos visitar as Cataratas do Iguaçu, mas como éramos destemidos, resolvemos visitar as cataratas também do lado argentino e lá fomos nós num grupo de 05 ou 06 pessoas, mas tem um detalhe, do lado argentino, o acesso não é tão fácil como no lado brasileiro, mas resolvemos seguir em frente e descemos uma trilha até a base da cachoeira, numa prainha onde hoje aqueles barcos cheios de turistas passam perto. Em resumo estávamos a menos de 30 metros da famosa queda d’água da Garganta do Diabo. Um lugar incrível, embora difícil de chegar. Na volta passamos numa cidade pequena, que pode ser Puerto Iguazu, que estava num bom momento, a cidade ostentava riquezas, o que não ocorreu anos depois quando voltei lá novamente, em função da desvalorização da moeda local. Puerto Iguazu virou praticamente uma cidade fantasma e não sei como esta por lá hoje. Mas na época desta visita, o que tinha de azeitonas, roupas de couro e perfumes para vendas era coisa de louco. Foram bons momentos.
Mas antes de contar as aventuras do Rio de Janeiro, eis o que aconteceu na volta de Londrina: terminado o atendimento no final da campanha no Paraná, estava um dia chuvoso e o Cavalcante sugeriu a todos que viajassem somente no dia seguinte e eu aceitei a sugestão e no dia seguinte sai cedo.

Depois de algum tempo viajando, um comando policial me mandou parar e como meu carro estava com gás, que na época era ilegal, eles queriam prender meu carro. Conversas e mais conversas até que de repente, eis que surge o Cavalcante no seu Alfa Romeu e eu aí pensei, agora ele vai me ajudar. Não ajudou. Passou devagarzinho, abanou a mão e seguiu viagem. Fiquei retido naquele posto policial até por volta de 14 horas, quando um policial ficou com pena de mim e liberou minha partida, mas ficou com o botijão de gás e tive que seguir na gasolina.
Capitulo 5–  Porto Alegre a noite.

Fazia frio naquela sexta-feira. Tínhamos terminado a semana e recebido os prêmios dos contratos da semana, além dos valores para alimentação. Um grupo de vendedores resolveu sair à noite para conhecer as belezas daquela cidade e fomos num grupo de uns 10 vendedores, além de 01 supervisor e por indicação de motoristas de táxi. Recomendaram uma casa de dança, localizada na Avenida 28 de outubro, onde toda sexta feira tinha música ao vivo e era um lugar muito bom para se divertir. Não me recordo dos nomes que estavam comigo, com exceção do Jocafe, que naquela época era com quem eu tinham mais amizade e repartíamos o mesmo apartamento.

Ao chegarmos ao local, parecia com uma boate dos dias de hoje. Pagamos um valor para entrar e lá dentro do clube, havia uma grande pista de dança, com mesas em toda sua volta. Era um ambiente bem iluminado e tinha um local reservado para uma orquestra. Nada de DJs ou luz especial. Era tudo olho no olho, sem direito a disfarçar com jogos de luzes. Como sempre acontece quando você chega num lugar estranho, primeiramente, você fica parado num canto observando os movimentos, conhecendo os caminhos, se ambientando.

Os bailes eram todos iluminados.
- Uma garrafa de uísque, garçom, disse um dos vendedores e com a chegada da bebida, o ambiente foi ficando mais alegre e o pessoal foi se animando. Um deles se animou e tirou uma garota para dançar, pois era assim que funcionava. Se quisesse, tinha que chegar na mesa e convidar a moça para dançar. De vez em quando levava um não, mas à medida que o uísque ia fazendo efeito, o não já não tinha importância. Queríamos se divertir e a cada música e cada volta a mesa mais uma dose da bebida e mais alegria. Nesta altura do campeonato, tudo era lindo, maravilhoso. Todas as mulheres eram sensacionais e nós, os melhores dançarinos do mundo.

O tempo foi passando e os pares foram sendo formados e me recordo que o Jocafe conheceu uma loira alta, mulher muito bonita, atraente e rolou um clima entre eles e depois de um certo tempo, eles foram embora do clube. Outros também juntaram com parceiras e a noite foi sendo cada vez mais agradável. Eu estava dançando já algum tempo com uma morena, creio que bonita também, quando a bebida começou a fazer efeito para valer. Tudo começou a girar e eu não estava mais conseguindo ficar em pé, quando o supervisor que estava conosco me levou até um taxi e pediu para o taxista me deixar no Hotel Embaixador. 

Entrei no carro dormindo. Recordo ter chegado na recepção do hotel e pedido a chave e daí para frente não lembro como cheguei no apartamento e não lembro até hoje. Realmente apaguei. Acordei no dia seguinte por volta de 14 horas com uma tremenda dor de cabeça e aí pude notar a sujeira que estava no apartamento. Mas nada do Jocafe. A cama dele estava arrumada, portanto, ele ainda não havia voltado da noitada.

Tomei um banho e desci para a recepção do hotel e lá encontrei alguns vendedores, outros tinham saído para ir as compras ou mesmo visitar os belos parques daquela cidade, mas não encontrei nenhum vendedor que havia ido ao baile. A noite resolvi ir ao cinema e o Jocafe ainda não havia voltado. Quando retornei, já por volta de 23 horas, o Jocafe estava dormindo profundamente e para não ser perturbado, colocou na orelha aquela plaquinha que você coloca na porta – Não Perturbe. Foi muito engraçado. No dia seguinte ele me contou que a loira era um furacão e quase acabou com ele. Os outros também tiveram boas lembranças desta noite, mas a que vivenciei foi a do Jocafe.

Mas esta cidade foi palco de outras grandes histórias como a vivida pela nossa colega Lea Gení Morais. Veja como foi: Em 1981 o Grêmio, um dos principais times do Brasil jogava a final do Campeonato Brasileiro contra o São Paulo e venceu a partida com gol de Balthazar. A festa foi imensa, começou no Morumbi e terminou nas ruas de Porto Alegre, mas esta conquista foi inesquecível para os gremistas e também para a Lea, pois ela tinha vindo passar o final de semana na sua casa, em São Paulo e não tinha conseguindo voo para voltar a Porto Alegre no domingo a noite. Seu marido, que trabalhava na aviação, conseguiu convencer o pessoal da companhia aérea a deixa-la embarcar no voo do time do Grêmio. Imaginem a emoção dela de estar ao lado dos campeões brasileiros. Inesquecível. 


Só que esta foi uma pequena parte da história, pois por coincidência, ela estava levando para Porto Alegre, para um amigo, duas garrafas de Pinga 51. Pronto, estava feito a festa. Ainda no ônibus, antes de embarcar, ela teve, devido a insistência dos jogadores, ceder uma garrafa que ela estava levando e isto somente aumentou a festa que durou todo o voo, regada com abertura da segunda garrafa. O amigo ficou na saudade, mas em troca de ter cedido as garrafas e tornado a viagem inesquecível, ela chegou junto com a comitiva vestindo uma camisa do Grêmio e de quebra, uma toalha de banho, que diz ter guardado até hoje como lembrança daquele dia inesquecível. Ao chegar no Aeroporto de Porto Alegre, a torcida do Grêmio estava aguardando os campeões e estava impossível conseguir um táxi. Ela estava desesperada para chegar ao hotel e por sorte de listeiro, surgiu uma carona e tudo acabou bem. Coisas de Porto Alegre.


Domingo, era dia de descanso, pois tínhamos estrada para enfrentar na segunda feira e foi um dia de preguiça. Segunda feira cedo, já estava na estrada em direção a Santa Maria e outros vendedores também partiram, cada um para seu destino, deixando para trás as boas lembranças daquela cidade que nos acolheu tão bem.
Capitulo 4 – Rumo a Porto Alegre

Havia chegado finalmente o grande dia, o verdadeiro teste de fogo para todos os vendedores pezinhos, que tinham terminado o treinamento à cerca de 15 dias. Iriamos empreender a primeira viagem e agora era para valer. Se tivéssemos sucesso permaneceríamos na equipe, caso contrário, seriamos desligados. Uma condição para que a contratação fosse concretizada era que o vendedor fosse habilitado e tivesse um carro para realizar o seu trabalho. Aparentemente todos os recém contratados atendiam estes requisitos, mas teve um questionamento que o Departamento Pessoal esqueceu de fazer durante o processo de seleção: você tem experiência em dirigir? Já dirigiu em estradas? Já fez viagens de longa distância? Bem, nada disso foi discutido e aí começou a grande aventura.







Os Carros da época











Durante o treinamento, a Ângela Guerreiro se destacou como uma das melhores candidatas, mostrava muita garra, questionava os que estavam dando o curso e por empatia, ficamos amigos desde o primeiro dia e ela acabou confessando que embora tivesse carteira de motorista, não tinha ainda um carro e sabia dirigir somente o que havia aprendido numa autoescola. Nunca havia dirigido sozinha e estava apavorada com a ideia de pegar estrada. Quase igual era a situação da Soeli, embora tivesse carro e já dirigia na cidade, nunca havia feito uma viagem e também estava muito preocupada com a situação, quando a oportunidade de viajar chegasse.

Como nos primeiros 15 dias ninguém utilizou carro, pois passamos a maior parte do tempo em treinamento e quando saiamos para trabalhar em São Paulo, as fichas atribuídas eram todas do centro da cidade, o uso do carro não foi necessário e o fato não chamou a atenção de ninguém, mas quando os supervisores avisaram as equipes que o trabalho iria começar por Porto Alegre, aí o bicho pegou. No final do atendimento, encontrei a Ângela e ela me disse que havia comprado um automóvel Passat, mas que não tinha condição de ir a Porto Alegre dirigindo. Pensou até em desistir do emprego. Me prontifiquei a acompanha-la na viagem e combinamos que iriamos eu, O Ruz, a Soeli e a Ângela.

Marcamos se encontrar num local próximo da entrada da Castelo Branco no sábado, por volta de 13 horas e quando todos chegaram, combinamos que eu iria na frente, a Ângela me seguiria, em seguida a Soeli e no final do comboio o Ruz. Foi uma emoção só. Eu ia dirigindo a Ângela com sinais de braço, tipo venha, venha ou devagar, devagar. Para ultrapassar um caminhão, eu pedia para ela me seguir, mas as vezes o espaço era curto para os 04 carros, e sempre acontecia de nos separar e assim fomos quilometro a quilometro até a primeira parada para abastecimento. Convém ressaltar que a Rodovia Regis Bittencourt na época era na sua totalidade, salvo em alguns pequenos trechos, toda em pista simples.

Durante a parada para abastecimento, houve um grande bate papo para acertar melhor os nossos sinais e aproveitar melhor a viagem. Nesta altura, as meninas já mostravam mais segurança, mas ainda estavam longe de serem consideradas motoristas experientes. O posto que estávamos para tinha um nome sugestivo, Buenos Aires, e ficava na proximidade da cidade de Registro. Estávamos quase na metade do caminho até a cidade de Curitiba e ainda restavam uns 1.000 quilômetros para percorrer. A média de velocidade do nosso grupo era no máximo 70 quilômetros por hora. Ainda tínhamos muito chão pela frente. Na parada encontramos diversos outros vendedores que estavam também viajando em grupos, mas as meninas não tinham experiência para acompanha-los, portanto fomos seguindo lentamente em direção ao nosso destino. 

Conseguimos chegar a Curitiba no início da noite e paramos num hotel à beira da rodovia, dentro de um posto de gasolina. No dia seguinte, saímos logo pela manhã e apesar dos sustos, das ultrapassagens de risco, conseguimos chegar a Porto Alegre no final do dia. Aquela foi a única vez que a Ângela realmente dirigiu. Durante toda a campanha ela deixava seu carro na garagem do hotel e saia com algum vendedor, com a aquiescência do seu supervisor Jair, pois ela já nos primeiros momentos se revelou uma vendedora de ponta, o que veio a se confirmar com o passar do tempo. Mas a viagem não foi de todo tranquila.Num desencontro, que é comum acontecer quando se viaja em comboio, a Ângela desgarrou do grupo e entrou por um caminho e se afastou da estrada que levava a Porto Alegre. Quando notou que estava sozinha, parou para perguntar e informaram que ela estava em estrada errada e teve que voltar quase 50 quilômetros. Aí ela conseguiu encontrar com o vendedor Benito, que a acompanhou por mais alguns quilômetros, mas como ela dirigia muito devagar, acabou sobrando novamente e voltamos a nos encontrar e seguimos até o nosso destino final.

O Hotel Embaixador está localizado no centro de Porto Alegre, num local de muito transito e ruas estreitas, era a nossa casa naquela capital. O Hotel oferecia uma excelente hospedagem, com bons apartamento, garagem para todos os carros e um super café da manhã, ressalte neste aspecto que era para nós, os pezinhos, na sua grande maioria, a única refeição decente do dia. Almoço e jantar era um luxo que nem sempre podíamos suportar. Tínhamos que se virar com pão e leite condensado. Era barato e dava sensação de saciar a fome. Trabalhar na capital, junto com as equipes era bom para adquirir experiência de grupo, mas embora estivesse reunido no hotel mais de 40 vendedores, o trabalho era individual e se o vendedor fosse pego trabalhando com outro vendedor, salvo com autorização do supervisor, ele era punido com perda de prêmios, carta de advertência e fez por outra demissão. Mas com o passar dos dias, o relacionamento com os veteranos foi ficando mais próximos e conversa aqui, conversa ali, alguma dica de como fazer um agenciamento começa a aparecer e a palavra “tranca” passa fazer parte do cotidiano.

Tranca era considerado uma cabeça de bacalhau. Todo mundo sabia que existia, mas todos juravam que nunca tinham visto ou ouvido falar. É engraçado falar sobre isso hoje depois de tantos anos. Cada vendedor tinha sua técnica de fazer o fechamento de um contrato, mas em nenhum instante lembrava as aulas que havíamos tido no Hotel San Raphael em São Paulo, onde a Rosinha e o Thomaz, vendiam a ideia que a publicidade no Guia Brasil Telex era fruto de um trabalho árduo, de grande convencimento por parte dos vendedores e cabiam a nós fazer o mesmo, ou seja, oferecer ao cliente o melhor espaço publicitário que sua empresa tivesse condição de pagar. Vendo as publicidades das edições anteriores durante o treinamento, nossa motivação está muito alta, afinal, o Guia era todo preenchido por milhares de inserções publicitárias. Bem, voltando as trancas, todas eram segredos guardados a sete chaves. Ninguém dava, emprestava ou vendia.


Os grandes vendedores da época, considerados os faixas A das equipes, tinham um vínculo de cumplicidade de com os supervisores e com isso traziam diversos contratos enquanto nos, os pezinhos, apenas alguns e de vez em quando entrava com algum contrato. Era o preço do aprendizado. E este treinamento em campo terminou quando o trabalho na cidade de Porto Alegre e nas cidades vizinhas terminou e agora iria começar a parte mais difícil do trabalho. Seria o início dos piões. Piões era no linguajar do listeiro, viagens que o vendedor teria que fazer saindo de sua base para trabalhar numa outra cidade e voltar para a base no final do dia. 

Tinha regiões que acontecia diferente, o vendedor era atribuído com diversas fichas, novos e rendas de várias cidades e ele saia em viagem para encontrar com sua equipe em outra cidade dias depois, que era bom, pois entrava dinheiro para a viagem, incluindo ai dinheiro para as refeições, combustíveis e hotel. As cidades destinadas a mim foram Santa Maria, Ijuí, Cruz Alta e Catanduvas, já no Estado de Santa Catarina e iria encontrar minha equipe na cidade de Blumenau. Uns 700 quilômetros sozinho, com um chevette 74, movido a gás de cozinha, mas esta é outra história, afinal é sexta feira.