Capitulo
9 –
As Campanhas das Listas Telefônicas
de Ribeirão e São José do Rio Preto.
Depois de tanto tempo
viajando, agora me sentia em casa. Ribeirão Preto distava de Descalvado apenas
90 quilômetros e isso permitia que eu visitasse minha família nos finais de
semana. A situação financeira ainda não tinha melhorado, pois quem ainda se
recorda, a LTN pagava um salário básico, acho que equivalente hoje a dois
salários mínimos, além de uma verba para alimentação e combustível. Ainda não
dava para se permitir nenhum gasto extra, inclusive voltar para casa, embora
estivesse bem próximo, só fazia esta visita a cada quinze dias. Agora mais
enturmado, via os vendedores veteranos com uma qualidade de vida muito boa,
pois além do salário básico, recebiam o sonho de todos os listeiros, a comissão
das vendas realizadas em campanhas anteriores, a famosa pro-rata.
A pro-rata era o sistema que
mantinha a motivação dos vendedores sempre em alta. Veja como funcionava: As
vendas que o vendedor realizava durante uma campanha, atingia um determinado
valor, daí saia o percentual de comissão. Este valor era pago em 12 parcelas
mensais iguais e este ganho só aumentava à medida que o vendedor participasse
da comercialização de mais veículos. Tinha vendedores com carro do ano,
ganhando em média 20 a 30 salários mínimos por mês. Era o que motivava os
pezinhos, entre eles eu. Tinha feito uma boa campanha no GBT e quando começasse
o recebimento das comissões, meu salário iria no mínimo dobrar, mas este dia
ainda estava longe.
Apartamento Hotel Holliday Inn |
Enfim chegamos a Ribeirão
Preto. Hotel Holliday Inn era a nossa casa. Maravilhoso sob todos os aspectos.
Café da manhã farto e apartamentos enormes, com duas camas King size.
Localizado bem próximo ao centro, no sopé de uma grande ladeira, atendia
perfeitamente todas nossas necessidades, inclusive, próximo dali, cerca de 100
metros ficava o posto de gasolina onde todos os dias os supervisores iam
autorizar o abastecimento.
Eu não tinha amizade com o Marco
Antonio, meu novo supervisor, portanto, no início, o tratamento, no início, foi
muito formal, mas fui apadrinhado pela C. Dourado, uma vendedora veterana, que
podia tudo. Tinha a língua afiada e com ela ninguém se metia, nem os gerentes.
Vendia muito, mas era temperamental, mas quem a conheceu bem, como eu tive
oportunidade, sabe que por trás de toda aquela força que mostrava, tinha um ser
humano maravilhoso.
Embora eu tivesse feito uma boa campanha no GBT, quando
começamos o trabalho no Lista da Ceterp, peguei uma maré de azar e nada dava
certo. Não conseguia fechar nenhum contrato e cheguei a falar com o Marcos que
iria me demitir, pois não estava conseguindo vender. Como disse, ainda não
éramos amigos e ele disse que o problema era meu. Se quisesse sair, ele não
poderia impedir. Sai do atendimento derrubado e encontrei a Claudete, que
conversou muito comigo e levantou meu animo.
Claudete e seu filho Alexandre |
As vezes os vendedores pegavam
uma maré de má sorte e ficavam 2 ou 03 dias totalmente improdutivos e aí se o
supervisor não os apoiassem, eles, às vezes, acabavam desistindo. O critério de
atribuição dependia do percentual físico e financeiro e se estivesse dentro dos
números exigidos, o vendedor tinha direito as rendas maiores, como as fichas
prêmios e especiais. Mas era aí que morava o perigo. Se o vendedor pegava uma
ficha prêmio ou especial e a mesma fosse cancelada, era duro voltar ao
percentual de atribuição novamente. Tinha que remar tudo novamente e assim as
campanhas avançavam. No final delas, uma equipe começava a pegar a renda da
outra, caso os vendedores não tivessem percentuais. Aí doía na alma.
Ver as fichas da sua equipe
sendo passadas para vendedores de outras equipes e ainda ser motivo de gozação.
Aliás, tudo era motivo de gozação. Tinha também um truque que era muito adotado
em listas telefônicas, que chamávamos de pesquisa. Você via um número de telefone
numa parede ou num anuncio de uma loja ou outro comércio, ligava para o
supervisor e se aquele telefone era novo ele passava a te pertencer e tinha um
vendedor que era um especialista neste tipo de serviço, dava impressão que ele
visitava as cidades antes das campanhas começar, mas era um grande vendedor,
chamado Benito, se não falha a memória era de Campinas.
Tipo de pesquisa |
No dia seguinte, sai
determinado a virar o jogo. Fui abastecer no posto ao lado do hotel. Em
Ribeirão Preto eu usava somente gasolina, pois o trabalho da lista era feito em
Ribeirão Preto e nas cidades circunvizinhas, todas próximas. Ali não tinha
jeito de utilizar o gás de cozinha, pois não recebíamos dinheiro para
abastecimento. Eu tinha comigo dois pacotes de fichas de clientes novos e tinha
que fazer dois contratos para poder entrar na campanha. Até aquele momento era
o único da equipe que ainda não havia feito nenhum contrato. Nas listas
telefônicas, o agenciamento era diferente do GBT. Via de regra não havia tranca,
havia sim alguns truques como oferecer um anuncio por um preço e dizer que
estava bonificando uma inserção nas páginas de classificados, quando na
realidade, tudo estava sendo cobrado e a lista de Ribeirão Preto era muito bem
aceita pelo comércio local.
Eu tinha que conseguir fazer
os contratos e sai determinado a conseguir. Até a hora do almoço não havia
conseguido nada, mas no início da tarde, no bairro que eu estava trabalhando,
que era próximo ao Bairro da Lagoinha, mas do outro lado da Via Anhanguera, eu
visitei uma pequena oficina mecânica e o cliente concordou em fazer um anuncio
nos classificados. Lembro como se fosse hoje, ele queria colocar o logotipo da
empresa com o nome em negrito. Pronto, havia começado minha campanha. Sai dali
todo motivado e feliz e fui visitar uma empresa de ônibus que ficava na mesma
rua e lá também consegui fazer um pequeno contrato, mas estes dois abriram as
portas para mim na campanha.
Depois deste dia, a sorte
mudou de lado. Todas as rendas que eu consegui pegar eu renovei e fiz diversos
contratos novos e terminei a campanha em segundo lugar, atrás somente da
Claudete. Foi o máximo. Nesta altura, o Marcos já era meu amigo e me chamava de
Luisão, que permanece até hoje.
Naquele hotel tinha uma
lanchonete e um restaurante, onde a noite os listeiros se reuniam e aí rolava
as conversas e mentiras do dia a dia. Neste hotel trabalhava uma garçonete
muito simpática, que caiu nas graças dos listeiros e os veteranos fizeram
pressão junto ao Sidney e a Falco para contrata-la, mesmo com a campanha em
andamento. A garçonete foi contratada e veio a se tornar uma das vendedoras
mais valentes da empresa. No linguajar popular, era pau para toda obra. Não
tinha tempo ruim para ela. Era a Bernadete, que ficou conhecida como Pinnati e
foi agregada na equipe do supervisor Silvio.
Supervisor Silvio - o amigo de todos |
Uma recordação que guardo
comigo ainda hoje e não me envergonho de contar foi neste hotel. As pessoas
costumam jantar e após faze-lo é habito recorrente colocar a bandeja do lado de
fora do apartamento, no corredor, para que a faxineira venha pegar depois.
Então, sempre por volta de 21 horas, morrendo de fome subia até o último andar
e vinha descendo pela escada de serviço, olhando pelos corredores se não havia
bandeja do lado de fora. Sempre tinha um pedaço de pão ou batata frita ou mesmo
um bife, que acabava sendo o meu jantar. Não tinha dinheiro para jantar todo
dia e o jeito era se virar como podia. Não é fácil ficar hospedado num hotel 05
estrelas, com o frigobar totalmente abastecido e não poder usufruir.
Meu companheiro de apartamento
naquela campanha era o C. Pereira, um sujeito adorado por todos, mas muito
doido. Aprontava com todo mundo. Quem lembrar dele vai saber como ele era.
Quando terminava o trabalho ele aprontava com os outros vendedores. Era a maior
farra nos apartamentos, o que causava muitas dores de cabeça para a gerencia do
hotel e para os gerentes da LTN.
Foi uma bela campanha a Lista
de Ribeirão Preto. Aprendi muito e estava na hora de partimos. Nosso próximo
destino seria a cidade de São José do Rio Preto. Uma lista completamente
diferente da Lista da Ceterp, pois era uma lista que atendia inúmeras cidades,
algumas distantes da cidade sede. Lá ficamos no Hotel Globo Rio, um hotel menor
que o Holiday Inn, mas que tinha acabado de ser inaugurado. Era muito bom
também.
Hotel Globo Rio de São José do Rio Preto |
O Hotel Globo Rio fica
localizado na Rua Bernardino de Campos, bem próximo do centro da cidade, da
loja da Telesp e também próximo da Rodovia Washington Luis. Era fácil para
qualquer listeiro sair e chegar daquele hotel e foi lá que estreitei minha
amizade com a Nair (Naná). Passamos a fazer TJ diariamente. Eu entrava com meu
carro movido a gás e ela com sua experiência. Aprendi muito macetes na
comercialização das listas telefônicas da Telesp, que embora fosse igual à da
Ceterp, o trabalho era totalmente diferente.
Lembro que neste hotel, que
acabara de ser inaugurado, o elevador era revestido de aço inoxidável, e o
mesmo estava impecável quando o grupo chegou, mas não demorou nem uma semana para
todos serem chamados no atendimento para ouvir um daqueles sermões de doer até
na alma. Imaginem a cena, o salão de atendimento lotado, com mais de 50
vendedores espremidos, pois o espaço não era tão grande e na frente os
supervisores, gerentes e um só motivo: quem havia riscado o elevador? Lógico
que o culpado até hoje não apareceu, mas a represália veio. A LTN teve que
pagar pelo polimento do elevador, e os supervisores ficaram na marcação dos
vendedores em relação aos TJs. Se fossem pegos, perderiam o prêmio da semana,
recebiam carta de advertência e estavam sujeitos a serem demitidos por justa
causa.
Para saber se o vendedor
estava trabalhando acompanhado, os supervisores se revezavam em fazer tocaia
nas entradas da cidade. Ficavam sob a ponte da Washington Luis, onde
obrigatoriamente teriam que passar os vendedores que fossem trabalhar na região
de José Bonifácio, Catanduva, Barretos ou na entrada da Avenida Bady Bastis
para aguardar a chegada dos vendedores que fossem trabalhar na região de
Mirassol, Fernandópolis, Santa Fé. Era uma operação de guerrilha, terror
completo. Se alguém fosse pego, além das punições citadas, tinha a mais grave
que era perder a gasolina. Era aí que o bicho pegava.
Vou recordar de um drama que
todo mundo vivia. Voltar para casa nos finais de semana. Era difícil, pois
quase sempre estávamos sem dinheiro e as outras dificuldades que cada um
passava. Como todos se lembram, o atendimento era individual e o atendimento
das sextas feiras era o pior de todos, pois era somente após o representante
ser liberado é que ele iniciava a viagem para sua cidade e para isso ser
possível durante a semana era um tal de guardar gasolina para ser usada na
viagem.
Apesar das dificuldades, havia
muita solidariedade entre os vendedores, pois as sextas feiras saiam alguns em
comitiva outros sozinhos e seguiam para seus destinos. Recordo que certa feita,
trabalhando na região de Presidente Prudente, eu e o Silva, um vendedor de
Ribeirão Preto, saímos de viagem por volta de 18 horas e chegamos em Ribeirão
por volta de 01 hora da madrugada e eu as 02 horas da madrugada em Descalvado,
para no domingo à tarde repetir o mesmo itinerário de volta. Era muito risco
que se corria, considerando o estado das estradas e dos carros da época. Daí a
necessidade de poupar gasolina.
Guardar gasolina era o grande segredo de voltar para casa |
O êxodo dos hotéis nos finais
de semana era quase total. Ficavam apenas alguns que por falta de dinheiro não
tinham como retornar para suas casas, mas sempre nas segundas feiras tinha uma
história nova para justificar um atraso. Meu carro quebrou, dizia um vendedor
que chegou atrasado e a resposta clássica do Manoel, mas você é mecânico? Ou
então, tive que levar meu filho no médico e a resposta também irônica, mas você
é médico? Não tinha moleza, pisou na bola, lá vinha o troco. Numa viagem num
final de semana, o Cavalcanti voltava de São Paulo, quando ao passar pelo
pedágio de Cravinhos, já chegando em Ribeirão Preto, ele perdeu o controle do
veículo de bateu num barranco. Ele teve ferimentos leves e tinham alguns
vendedores com ele nesta viagem que tiveram algumas escoriações. Era sempre um
grande risco estas viagens, mas mesmo assim, toda sexta feira, a debandada
acontecia.
Uma ocasião tinha ido para
minha casa e para retornar à Araçatuba, sai de São Carlos por volta das 22:00
hs. Naquele tempo as estradas nem de longe eram iguais as atuais e estava já
chegando na região de Penápolis, creio que por volta de 1:00 hs, quando vejo no
meio da pista uma boiada inteira deitada no leito da pista. Freio para que te
quero, o carrinho até entortou tal a pressão que eu fazia para o mesmo parar e
consegui faze-lo a menos de 5 metros do primeiro boi que estava deitado no
caminho. Buzinando e com muita paciência, passei ileso e terminei a viagem. Foi
um dos maiores sustos que levei em viagens.
O sonho de todo listeiro: O selinho da Facchini |
O grande prêmio da campanha de
São Jose do Rio Preto era o selinho, um tipo de publicidade que saia em todas
as páginas da lista de assinantes e endereços e está ficha era da Empresa
Fachini, fabricante de carrocerias de caminhões, localizada na cidade de
Votuporanga e todo mundo queria ter esta ficha na sua linha, tanto que ela
ficava de posse dos supervisores chefes e era renovação certa e dava uma ótima
comissão para quem a pegasse. Naquele ano, ela foi atribuída por sorteio entre
os melhores percentuais e resolvida, mas nem cheguei perto de participar. Era
duro competir com os veteranos faixas A.
Mas a região também tem
boas recordações de outros vendedores, que se fossemos enumera-las aqui daria
para escrever um livro somente com as histórias de Rio Preto, mas tem uma que acabou
em casamento. Eu estava com uma ficha de uma clínica médica que ficava próxima
a Santa Casa de São José do Rio Preto e na ocasião, enquanto aguardava minha
vez de ser atendido fiquei conversando com a secretária da clínica e por
coincidência, era aniversário dela naquele dia. Oba! Vai ter festa, perguntei?
Vai nada, apenas um bolinho, mas se quiser aparecer por lá, será bem-vindo. O
convite fora feito por educação, mas entendi de outra forma e pedi o endereço,
que prontamente ela me forneceu. Era na Vila Toninho, bem distante do Hotel
Globo Rio, onde estávamos hospedados. Em seguida, fui atendido pelo médico que
era o proprietário da clínica e ele fez a renovação da publicidade e quando sai
da sala do médico, fui me despedir da secretária, e ela disse que esperava a
noite para comer o bolo. Disse que iria e que levaria um amigo. Tudo bem, ela
disse. Então até a noite, respondi e sai para fazer o meu trabalho e esqueci o
assunto. À tarde, no atendimento, comentei o fato com o Jocafe e como não
tínhamos nada para fazer, resolvemos ir no tal aniversário. Era um lugar bem
difícil de chegar, pois ficava numa rua pequena, num canto da Vila Toninho, que
na época ainda estava em formação.
Hoje aquele bairro é
praticamente uma cidade, mas na época, a maioria das ruas nem asfalto tinha,
mas acabamos chegando no nosso destino. Lembro que era uma casa modesta.
Paramos em frente à casa, batemos palmas para sermos atendido. Quem veio nos
atender foi um senhor que depois de nos apresentar, disse que era pai da
aniversariante e que ela estava tomando banho, mas que podíamos entrar.
Entramos, tímidos, e sentamos no sofá da sala. Apareceram mais umas pessoas
para nos cumprimentar e alguns minutos depois, a aniversariante. Que legal que
você veio! Trouxe um amigo? Apresentei o Jocafe a ela e foi amor à primeira
vista. Deste dia em diante, o Jocafe continuou a se encontrar com esta garota e
estes encontros resultou em um relacionamento sério. O Jocafe se desligou da
empresa e soube tempos depois que ele havia se casado com ela.
Tem uma outra história
engraçada que aconteceu com o Manoel, que na época ainda era vendedor. Ele
adquiriu para trabalhar uma pasta enorme, feia, segundo ele, um modelo usado
por vendedores que trabalhavam porta a porta, levando produtos. Não era a pasta
ideal para trabalhar em agenciamento de publicidade, mas vejam o que o Manoel
conta:
“Fiquei na cidade o
fim de semana e aproveitei o sábado para visitar uns clientes novos (com minha
bolsa). Peguei uma ficha e fui visitar em um bairro, chegando lá era uma
residência (as vezes recebíamos fichas com telefones comerciais instalados em
residências), bati palmas para confirmar se era residência mesmo, apareceu uma
negona lá no fundo e eu gritei lá do portão o proprietário está? …ela viu minha
bolsa e gritou para patroa dela: Dona Maria tem um MASCATE lá no portão
querendo vender alguma coisa…para vocês verem como era esquisita minha pasta
(bolsa)
Estava na hora de partir para
Araçatuba e depois Presidente Prudente, cada vez mais longe de casa. Mas era o
nosso trabalho e tínhamos que seguir em frente, mas isto é assunto para o
próximo capitulo.