sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Capitulo 6 – De volta às estradas

Depois da ressaca do final de semana, chegou finalmente a segunda feira que muitos de nós estava aguardando ansiosamente e ao mesmo tempo com aquela pontinha de medo e ansiedade. Iriamos literalmente fazer aquilo para o que fomos contratados, ou seja, renovar e fazer novos contratos de publicidades, só que agora sozinhos. Meu destino inicial era a cidade de Santa Maria, distante 200 quilômetros de Porto Alegre, onde eu teria que renovar algumas fichas de renda e se manter dentro do percentual físico e financeiro para que tivesse direito a uma nova atribuição.

Para quem não se recorda, o sistema era perverso neste aspecto, mas apesar desta característica, funcionava, pois, cada vendedor para ter direito a uma nova atribuição, deveria ter um percentual de aproveitamento físico superior a 105%, ou seja, tinha que ter sempre um crescimento de 5% na sua produção e manter sua linha de produção financeira no mínimo acima de 120% para ter direito a rendas de maior valor, como as Prêmios e Especiais. Se por acaso, o vendedor estivesse com os percentuais abaixo de 100%. Tanto físico ou financeiro, teria que trabalhar clientes novos até atingir o teto mínimo estabelecido pela empresa. 

Era fácil perder o percentual, bastava cancelar um contrato de valor alto, que você comprometia toda sua campanha. Vou citar um exemplo clássico. Você tem um percentual físico superior a 105% e um percentual financeiro superior a 120%. Com estes números, você teria direito a ser atribuído com uma ficha especial, que renovada daria um grande avanço no seu faturamento, uma ficha prêmio, que também tinha um ótimo valor para ser renovada, uma ficha A e duas fichas B e um pacote somente com clientes novos. Se tudo corresse bem e o trabalho do vendedor anterior tivesse sido bem feito, então você ficava bem na fita, mas se tivesse a infelicidade de cancelar os contratos, principalmente os de renda alta, você estava condenado a ficar visitando cliente novo, que eram os mais difíceis de serem convencidos, até voltar ao percentual, enquanto isso, a campanha seguia e os Faixas A, já com toda a experiência adquirida, levavam tudo.

Cabe aqui um esclarecimento. As atribuições eram sempre feitas à noite, após o atendimento do vendedor. Se o vendedor entrasse com um contrato alto, ele era atribuído com todas as rendas que seu percentual permitisse. No dia seguinte, os contratos eram todos checados e se este contrato grande que tinha permitido ao representante pegar uma grande atribuição, fosse cancelado pelo supervisor, por qual motivo fosse, o vendedor não seria punido em nada, pois continuava com a atribuição recebida. Muitos vendedores faziam contratos, sabendo que os supervisores iriam cancelar, mas que permitia a eles continuarem dentro dos percentuais.

Quando havia viagens como a que eu estava iniciando, o sistema era diferente. Para reduzir os custos, era atribuído ao vendedor todas as fichas daquela cidade e ele teria que prestar conta do seu trabalho quando voltasse a se encontrar com seu supervisor em outra cidade. A cidade de Santa Maria era uma das maiores do interior do Estado do Rio Grande do Sul e minha atribuição previa visitar algumas empresas e como todas eram fichas de valores pequenos, consegui renova-las e ainda acrescentei na minha linha dois contratos de novos. Imaginem a minha felicidade. Estava dentro do percentual e era isso que importava naquele momento. Terminando o trabalho em Santa Maria, a próxima cidade que iria visitar seria Ijuí e lá tem uma história que vale a pena ser contada.

Entre vários “causos” que aconteceram comigo e com certeza com alguns de vocês também, tem aqueles que considero inesquecíveis e sempre que posso conto para os meus amigos mais próximos e hoje vou contar para vocês, aliás, vou contar dois e que aconteceram na minha primeira viagem, quando sozinho sai de Porto Alegre, no meu velho Chevette 74, movido a gás de cozinha e fui trabalhar no interior do Estado e posteriormente encontrar com a equipe em Blumenau. Coisa de doido, principalmente para a época, pois as estradas eram horríveis. 

Nesta viagem teve dois fatos que guardo com carinho. Tinha saído da cidade de Não Me Toques e alguém sugeriu que seu eu cortasse por uma estrada de terra, iria economizar uns 30 km até Ijuí. Topei na hora, pois a palavra economizar soava como música para meus ouvidos e por uma destas coisas inexplicáveis eu tinha comigo um rolo de corda no porta malas e no meio desta viagem, tinha uma família, com o carro quebrado, pedindo socorro, numa estrada de terra que tinha somente pastos e mais nada. Parei para ver se podia ajudar – não sei se faria isso hoje – e notei que o carro deles tinha estourado uma correia e não iriam conseguir sair dali se não fossem guinchados. O que eu fiz então: Amarrei o carro deles atrás do chevette com a corda que sei lá por que razão  levava comigo e reboquei o carro daquela família por uns 20 km quilômetros, deixando-os numa pequena cidadezinha, mais parecida com uma vila e segui viagem para Ijuí.

Em outro momento desta viagem, já próximo de Catanduvas, já no Estado de Santa Catarina, já havia escurecido; estava fazendo um frio tão grande e baixou uma cerração tão forte, que não dava para saber onde estava, o farol não conseguia clarear a pista e fui rodando bem devagar, com o coração na mão, quando no meio do nada avisto uma luzinha amarela, bem fraquinha devido a cerração e eu disse pra mim mesmo – é lá que vou parar. Sorte de principiante. Era um hotel de beira de estrada, simples mesmo, mas foi maravilhoso encontra-lo. Passei muito frio, não tinha café da manhã, mas este hotel foi inesquecível, pois pode até ter salvado minha vida. No dia seguinte, antes de chegar a Catanduvas, pude ver o tipo de estrada que estava viajando. Era curvas e barrancos. Deus protegia os listeiros.

Tanto esforço por nada. Ao chegar em Catanduvas, fui procurar a empresa que devia visitar e não encontrei, pergunta aqui, pergunta ali e nada de encontrar alguém que soubesse da empresa que eu estava procurando, quando percebi o erro. Quando na separação das fichas, alguém por engano, trocou a ficha da cidade de Catanduva, que fica no interior de São Paulo e a colocou como sendo Catanduvas, em Santa Catarina. Este engano custou quase dois dias de viagem e quando cheguei a Blumenau, as atribuições daquela cidade já estavam no fim. 

Blumenau - Uma das mais belas cidades brasileiras
Mas, foi aí, nesta cidade, que tive a primeira lição do que era ser um vendedor de anuncio em lista telefônica. Devido ao meu resultado pífio do meu peão, o Cavalcante pediu que eu saísse em TJ com meu xará, Luis Antonio Guerra, um listeiro, por coincidência, da cidade de Catanduva, que realmente me ensinou diversos macetes de como abordar um cliente, como evitar um cancelamento, como sair de situações constrangedoras criadas por vendedores anteriores e como melhorar meu aproveitamento nos agenciamentos. 

Comecei a partir deste momento, dar adeus as IA e MA e passei a ser um pouco mais agressivo e minha posição na equipe melhorou e passei a ser adotado por toda a equipe, inclusive pelo Agno, que até então mal me cumprimentava.De Blumenau fui trabalhar no Paraná, terminando meu trabalho na cidade de Londrina. Não me destacava, mas não era mais um dos piores, estava melhorando dia a dia no agenciamento e nas atribuições. A próxima etapa do trabalho seria o Rio de Janeiro e em seguida o interior de São Paulo, onde terminaria a campanha daquele ano. Mas antes de contar as aventuras do Rio de Janeiro, eis o que aconteceu na volta de Londrina.

Tem uma história interessante que aconteceu em outra época com a Léa, que também não tinha a menor afinidade com dirigir, principalmente em estradas. Aos trancos e barrancos, ela saiu de São Paulo, com destino a Porto Alegre e chegando em Curitiba, já exausta e desesperada, parou num posto de gasolina para se recuperar, e perguntou a um passageiro de uma empresa de ônibus qual o melhor caminho para ir a Porto Alegre. O homem respondeu que devia ser pela Serra (BR 116) e acho que notando a insegurança da Léa, ofereceu para ir com ela, pois ele motorista profissional e poderia ajudá-la a levar o carro. De pronto ela aceitou. O carona, morava em Novo Hamburgo e ainda restava um grande trecho para ser percorrido. A viagem foi melhor que a Léa imaginava, veja como ela conta:

”Aceitei...arrumei um companheiro de viagem, outros tempos, além de que ,ele era caminhoneiro, conhecia lugares lindos...além de que ele dirigia.....me lembro que até adormeci depois que almoçamos....aliás...foi fantástico o almoço...paramos um churrasco público, que comprovamos um espeto que estava sendo assado em a grande vala.....sentamos embaixo de uma árvore com um copo de plástico ,tomamos chopp ,foi ótimo....seguimos viagem...me lembro de uma clareira onde os caminhoneiros descansava m...era cheia de orquídeas...lindíssimas, além das estórias das mulheres que ali estavam...lavando roupa em a cachoeira... crianças...um universo fantástico....enfim...seguimos viagem.”
Chegaram a Novo Hamburgo a noite e de lá até Porto Alegre a Léa, seguiu sozinha pela Free Way, a melhor estrada do Estado e chegou no hotel já tarde da noite, encontrando o Falco preocupado, mas tudo terminou bem.
Garganta do Diabo do Lado Argentino

Mas nem sempre tudo era trabalho! As vezes conseguíamos tirar momentos de folga e quando coincidia com um lugar turístico, então era muito melhor. Uma ocasião estávamos em Foz do Iguaçu e como todo turista, fomos visitar as Cataratas do Iguaçu, mas como éramos destemidos, resolvemos visitar as cataratas também do lado argentino e lá fomos nós num grupo de 05 ou 06 pessoas, mas tem um detalhe, do lado argentino, o acesso não é tão fácil como no lado brasileiro, mas resolvemos seguir em frente e descemos uma trilha até a base da cachoeira, numa prainha onde hoje aqueles barcos cheios de turistas passam perto. Em resumo estávamos a menos de 30 metros da famosa queda d’água da Garganta do Diabo. Um lugar incrível, embora difícil de chegar. Na volta passamos numa cidade pequena, que pode ser Puerto Iguazu, que estava num bom momento, a cidade ostentava riquezas, o que não ocorreu anos depois quando voltei lá novamente, em função da desvalorização da moeda local. Puerto Iguazu virou praticamente uma cidade fantasma e não sei como esta por lá hoje. Mas na época desta visita, o que tinha de azeitonas, roupas de couro e perfumes para vendas era coisa de louco. Foram bons momentos.
Mas antes de contar as aventuras do Rio de Janeiro, eis o que aconteceu na volta de Londrina: terminado o atendimento no final da campanha no Paraná, estava um dia chuvoso e o Cavalcante sugeriu a todos que viajassem somente no dia seguinte e eu aceitei a sugestão e no dia seguinte sai cedo.

Depois de algum tempo viajando, um comando policial me mandou parar e como meu carro estava com gás, que na época era ilegal, eles queriam prender meu carro. Conversas e mais conversas até que de repente, eis que surge o Cavalcante no seu Alfa Romeu e eu aí pensei, agora ele vai me ajudar. Não ajudou. Passou devagarzinho, abanou a mão e seguiu viagem. Fiquei retido naquele posto policial até por volta de 14 horas, quando um policial ficou com pena de mim e liberou minha partida, mas ficou com o botijão de gás e tive que seguir na gasolina.

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