Capitulo 4 – Rumo a Porto
Alegre
Havia chegado finalmente o
grande dia, o verdadeiro teste de fogo para todos os vendedores pezinhos, que tinham
terminado o treinamento à cerca de 15 dias. Iriamos empreender a primeira viagem
e agora era para valer. Se tivéssemos sucesso permaneceríamos na equipe, caso
contrário, seriamos desligados. Uma condição para que a contratação fosse
concretizada era que o vendedor fosse habilitado e tivesse um carro para
realizar o seu trabalho. Aparentemente todos os recém contratados atendiam
estes requisitos, mas teve um questionamento que o Departamento Pessoal
esqueceu de fazer durante o processo de seleção: você tem experiência em
dirigir? Já dirigiu em estradas? Já fez viagens de longa distância? Bem, nada
disso foi discutido e aí começou a grande aventura.
Os Carros da época |
Durante o treinamento, a
Ângela Guerreiro se destacou como uma das melhores candidatas, mostrava muita
garra, questionava os que estavam dando o curso e por empatia, ficamos amigos
desde o primeiro dia e ela acabou confessando que embora tivesse carteira de
motorista, não tinha ainda um carro e sabia dirigir somente o que havia
aprendido numa autoescola. Nunca havia dirigido sozinha e estava apavorada com
a ideia de pegar estrada. Quase igual era a situação da Soeli, embora tivesse
carro e já dirigia na cidade, nunca havia feito uma viagem e também estava
muito preocupada com a situação, quando a oportunidade de viajar chegasse.
Como nos primeiros 15 dias
ninguém utilizou carro, pois passamos a maior parte do tempo em treinamento e
quando saiamos para trabalhar em São Paulo, as fichas atribuídas eram todas do
centro da cidade, o uso do carro não foi necessário e o fato não chamou a
atenção de ninguém, mas quando os supervisores avisaram as equipes que o
trabalho iria começar por Porto Alegre, aí o bicho pegou. No final do
atendimento, encontrei a Ângela e ela me disse que havia comprado um automóvel
Passat, mas que não tinha condição de ir a Porto Alegre dirigindo. Pensou até
em desistir do emprego. Me prontifiquei a acompanha-la na viagem e combinamos
que iriamos eu, O Ruz, a Soeli e a Ângela.
Marcamos se encontrar num
local próximo da entrada da Castelo Branco no sábado, por volta de 13 horas e
quando todos chegaram, combinamos que eu iria na frente, a Ângela me seguiria, em
seguida a Soeli e no final do comboio o Ruz. Foi uma emoção só. Eu ia dirigindo
a Ângela com sinais de braço, tipo venha, venha ou devagar, devagar. Para
ultrapassar um caminhão, eu pedia para ela me seguir, mas as vezes o espaço era
curto para os 04 carros, e sempre acontecia de nos separar e assim fomos
quilometro a quilometro até a primeira parada para abastecimento. Convém
ressaltar que a Rodovia Regis Bittencourt na época era na sua totalidade, salvo
em alguns pequenos trechos, toda em pista simples.
Durante a parada para
abastecimento, houve um grande bate papo para acertar melhor os nossos sinais e
aproveitar melhor a viagem. Nesta altura, as meninas já mostravam mais
segurança, mas ainda estavam longe de serem consideradas motoristas
experientes. O posto que estávamos para tinha um nome sugestivo, Buenos Aires,
e ficava na proximidade da cidade de Registro. Estávamos quase na metade do
caminho até a cidade de Curitiba e ainda restavam uns 1.000 quilômetros para
percorrer. A média de velocidade do nosso grupo era no máximo 70 quilômetros
por hora. Ainda tínhamos muito chão pela frente. Na parada encontramos diversos
outros vendedores que estavam também viajando em grupos, mas as meninas não
tinham experiência para acompanha-los, portanto fomos seguindo lentamente em
direção ao nosso destino.
Conseguimos chegar a Curitiba no início da noite e
paramos num hotel à beira da rodovia, dentro de um posto de gasolina. No dia
seguinte, saímos logo pela manhã e apesar dos sustos, das ultrapassagens de
risco, conseguimos chegar a Porto Alegre no final do dia. Aquela foi a única
vez que a Ângela realmente dirigiu. Durante toda a campanha ela deixava seu
carro na garagem do hotel e saia com algum vendedor, com a aquiescência do seu
supervisor Jair, pois ela já nos primeiros momentos se revelou uma vendedora de
ponta, o que veio a se confirmar com o passar do tempo. Mas a viagem não foi de todo tranquila.Num desencontro, que é comum
acontecer quando se viaja em comboio, a Ângela desgarrou do grupo e entrou por um caminho e se afastou da estrada que levava a Porto Alegre. Quando notou
que estava sozinha, parou para perguntar e informaram que ela estava em estrada
errada e teve que voltar quase 50 quilômetros. Aí ela conseguiu encontrar com o
vendedor Benito, que a acompanhou por mais alguns quilômetros, mas como ela
dirigia muito devagar, acabou sobrando novamente e voltamos a nos encontrar e seguimos
até o nosso destino final.
O Hotel Embaixador está
localizado no centro de Porto Alegre, num local de muito transito e ruas
estreitas, era a nossa casa naquela capital. O Hotel oferecia uma excelente
hospedagem, com bons apartamento, garagem para todos os carros e um super café
da manhã, ressalte neste aspecto que era para nós, os pezinhos, na sua grande
maioria, a única refeição decente do dia. Almoço e jantar era um luxo que nem sempre
podíamos suportar. Tínhamos que se virar com pão e leite condensado. Era barato
e dava sensação de saciar a fome. Trabalhar na capital, junto com as equipes
era bom para adquirir experiência de grupo, mas embora estivesse reunido no
hotel mais de 40 vendedores, o trabalho era individual e se o vendedor fosse
pego trabalhando com outro vendedor, salvo com autorização do supervisor, ele
era punido com perda de prêmios, carta de advertência e fez por outra demissão.
Mas com o passar dos dias, o relacionamento com os veteranos foi ficando mais
próximos e conversa aqui, conversa ali, alguma dica de como fazer um
agenciamento começa a aparecer e a palavra “tranca” passa fazer parte do
cotidiano.
Tranca era considerado uma
cabeça de bacalhau. Todo mundo sabia que existia, mas todos juravam que nunca
tinham visto ou ouvido falar. É engraçado falar sobre isso hoje depois de
tantos anos. Cada vendedor tinha sua técnica de fazer o fechamento de um
contrato, mas em nenhum instante lembrava as aulas que havíamos tido no Hotel
San Raphael em São Paulo, onde a Rosinha e o Thomaz, vendiam a ideia que a
publicidade no Guia Brasil Telex era fruto de um trabalho árduo, de grande
convencimento por parte dos vendedores e cabiam a nós fazer o mesmo, ou seja,
oferecer ao cliente o melhor espaço publicitário que sua empresa tivesse
condição de pagar. Vendo as publicidades das edições anteriores durante o
treinamento, nossa motivação está muito alta, afinal, o Guia era todo
preenchido por milhares de inserções publicitárias. Bem, voltando as trancas,
todas eram segredos guardados a sete chaves. Ninguém dava, emprestava ou
vendia.
Os grandes vendedores da
época, considerados os faixas A das equipes, tinham um vínculo de cumplicidade
de com os supervisores e com isso traziam diversos contratos enquanto nos, os
pezinhos, apenas alguns e de vez em quando entrava com algum contrato. Era o
preço do aprendizado. E este treinamento em campo terminou quando o trabalho na
cidade de Porto Alegre e nas cidades vizinhas terminou e agora iria começar a
parte mais difícil do trabalho. Seria o início dos piões. Piões era no
linguajar do listeiro, viagens que o vendedor teria que fazer saindo de sua
base para trabalhar numa outra cidade e voltar para a base no final do dia.
Tinha regiões que acontecia diferente, o vendedor era atribuído com diversas
fichas, novos e rendas de várias cidades e ele saia em viagem para encontrar
com sua equipe em outra cidade dias depois, que era bom, pois entrava dinheiro
para a viagem, incluindo ai dinheiro para as refeições, combustíveis e hotel.
As cidades destinadas a mim foram Santa Maria, Ijuí, Cruz Alta e Catanduvas, já
no Estado de Santa Catarina e iria encontrar minha equipe na cidade de
Blumenau. Uns 700 quilômetros sozinho, com um chevette 74, movido a gás de cozinha,
mas esta é outra história, afinal é sexta feira.
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