sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Capitulo 9 –  

As Campanhas das Listas Telefônicas de Ribeirão e São José do Rio Preto.

Depois de tanto tempo viajando, agora me sentia em casa. Ribeirão Preto distava de Descalvado apenas 90 quilômetros e isso permitia que eu visitasse minha família nos finais de semana. A situação financeira ainda não tinha melhorado, pois quem ainda se recorda, a LTN pagava um salário básico, acho que equivalente hoje a dois salários mínimos, além de uma verba para alimentação e combustível. Ainda não dava para se permitir nenhum gasto extra, inclusive voltar para casa, embora estivesse bem próximo, só fazia esta visita a cada quinze dias. Agora mais enturmado, via os vendedores veteranos com uma qualidade de vida muito boa, pois além do salário básico, recebiam o sonho de todos os listeiros, a comissão das vendas realizadas em campanhas anteriores, a famosa pro-rata.



A pro-rata era o sistema que mantinha a motivação dos vendedores sempre em alta. Veja como funcionava: As vendas que o vendedor realizava durante uma campanha, atingia um determinado valor, daí saia o percentual de comissão. Este valor era pago em 12 parcelas mensais iguais e este ganho só aumentava à medida que o vendedor participasse da comercialização de mais veículos. Tinha vendedores com carro do ano, ganhando em média 20 a 30 salários mínimos por mês. Era o que motivava os pezinhos, entre eles eu. Tinha feito uma boa campanha no GBT e quando começasse o recebimento das comissões, meu salário iria no mínimo dobrar, mas este dia ainda estava longe.

Apartamento Hotel Holliday Inn
Enfim chegamos a Ribeirão Preto. Hotel Holliday Inn era a nossa casa. Maravilhoso sob todos os aspectos. Café da manhã farto e apartamentos enormes, com duas camas King size. Localizado bem próximo ao centro, no sopé de uma grande ladeira, atendia perfeitamente todas nossas necessidades, inclusive, próximo dali, cerca de 100 metros ficava o posto de gasolina onde todos os dias os supervisores iam autorizar o abastecimento.
Eu não tinha amizade com o Marco Antonio, meu novo supervisor, portanto, no início, o tratamento, no início, foi muito formal, mas fui apadrinhado pela C. Dourado, uma vendedora veterana, que podia tudo. Tinha a língua afiada e com ela ninguém se metia, nem os gerentes. Vendia muito, mas era temperamental, mas quem a conheceu bem, como eu tive oportunidade, sabe que por trás de toda aquela força que mostrava, tinha um ser humano maravilhoso. 

Embora eu tivesse feito uma boa campanha no GBT, quando começamos o trabalho no Lista da Ceterp, peguei uma maré de azar e nada dava certo. Não conseguia fechar nenhum contrato e cheguei a falar com o Marcos que iria me demitir, pois não estava conseguindo vender. Como disse, ainda não éramos amigos e ele disse que o problema era meu. Se quisesse sair, ele não poderia impedir. Sai do atendimento derrubado e encontrei a Claudete, que conversou muito comigo e levantou meu animo.

Claudete e seu filho Alexandre
As vezes os  vendedores  pegavam uma maré de má sorte e ficavam 2 ou 03 dias totalmente improdutivos e aí se o supervisor não os apoiassem, eles, às vezes, acabavam desistindo. O critério de atribuição dependia do percentual físico e financeiro e se estivesse dentro dos números exigidos, o vendedor tinha direito as rendas maiores, como as fichas prêmios e especiais. Mas era aí que morava o perigo. Se o vendedor pegava uma ficha prêmio ou especial e a mesma fosse cancelada, era duro voltar ao percentual de atribuição novamente. Tinha que remar tudo novamente e assim as campanhas avançavam. No final delas, uma equipe começava a pegar a renda da outra, caso os vendedores não tivessem percentuais. Aí doía na alma.

Ver as fichas da sua equipe sendo passadas para vendedores de outras equipes e ainda ser motivo de gozação. Aliás, tudo era motivo de gozação. Tinha também um truque que era muito adotado em listas telefônicas, que chamávamos de pesquisa. Você via um número de telefone numa parede ou num anuncio de uma loja ou outro comércio, ligava para o supervisor e se aquele telefone era novo ele passava a te pertencer e tinha um vendedor que era um especialista neste tipo de serviço, dava impressão que ele visitava as cidades antes das campanhas começar, mas era um grande vendedor, chamado Benito, se não falha a memória era de Campinas.

Tipo de pesquisa
No dia seguinte, sai determinado a virar o jogo. Fui abastecer no posto ao lado do hotel. Em Ribeirão Preto eu usava somente gasolina, pois o trabalho da lista era feito em Ribeirão Preto e nas cidades circunvizinhas, todas próximas. Ali não tinha jeito de utilizar o gás de cozinha, pois não recebíamos dinheiro para abastecimento. Eu tinha comigo dois pacotes de fichas de clientes novos e tinha que fazer dois contratos para poder entrar na campanha. Até aquele momento era o único da equipe que ainda não havia feito nenhum contrato. Nas listas telefônicas, o agenciamento era diferente do GBT. Via de regra não havia tranca, havia sim alguns truques como oferecer um anuncio por um preço e dizer que estava bonificando uma inserção nas páginas de classificados, quando na realidade, tudo estava sendo cobrado e a lista de Ribeirão Preto era muito bem aceita pelo comércio local.
Eu tinha que conseguir fazer os contratos e sai determinado a conseguir. Até a hora do almoço não havia conseguido nada, mas no início da tarde, no bairro que eu estava trabalhando, que era próximo ao Bairro da Lagoinha, mas do outro lado da Via Anhanguera, eu visitei uma pequena oficina mecânica e o cliente concordou em fazer um anuncio nos classificados. Lembro como se fosse hoje, ele queria colocar o logotipo da empresa com o nome em negrito. Pronto, havia começado minha campanha. Sai dali todo motivado e feliz e fui visitar uma empresa de ônibus que ficava na mesma rua e lá também consegui fazer um pequeno contrato, mas estes dois abriram as portas para mim na campanha.
Depois deste dia, a sorte mudou de lado. Todas as rendas que eu consegui pegar eu renovei e fiz diversos contratos novos e terminei a campanha em segundo lugar, atrás somente da Claudete. Foi o máximo. Nesta altura, o Marcos já era meu amigo e me chamava de Luisão, que permanece até hoje.
Naquele hotel tinha uma lanchonete e um restaurante, onde a noite os listeiros se reuniam e aí rolava as conversas e mentiras do dia a dia. Neste hotel trabalhava uma garçonete muito simpática, que caiu nas graças dos listeiros e os veteranos fizeram pressão junto ao Sidney e a Falco para contrata-la, mesmo com a campanha em andamento. A garçonete foi contratada e veio a se tornar uma das vendedoras mais valentes da empresa. No linguajar popular, era pau para toda obra. Não tinha tempo ruim para ela. Era a Bernadete, que ficou conhecida como Pinnati e foi agregada na equipe do supervisor Silvio.

Supervisor Silvio - o amigo de todos
Uma recordação que guardo comigo ainda hoje e não me envergonho de contar foi neste hotel. As pessoas costumam jantar e após faze-lo é habito recorrente colocar a bandeja do lado de fora do apartamento, no corredor, para que a faxineira venha pegar depois. Então, sempre por volta de 21 horas, morrendo de fome subia até o último andar e vinha descendo pela escada de serviço, olhando pelos corredores se não havia bandeja do lado de fora. Sempre tinha um pedaço de pão ou batata frita ou mesmo um bife, que acabava sendo o meu jantar. Não tinha dinheiro para jantar todo dia e o jeito era se virar como podia. Não é fácil ficar hospedado num hotel 05 estrelas, com o frigobar totalmente abastecido e não poder usufruir.
Meu companheiro de apartamento naquela campanha era o C. Pereira, um sujeito adorado por todos, mas muito doido. Aprontava com todo mundo. Quem lembrar dele vai saber como ele era. Quando terminava o trabalho ele aprontava com os outros vendedores. Era a maior farra nos apartamentos, o que causava muitas dores de cabeça para a gerencia do hotel e para os gerentes da LTN.
Foi uma bela campanha a Lista de Ribeirão Preto. Aprendi muito e estava na hora de partimos. Nosso próximo destino seria a cidade de São José do Rio Preto. Uma lista completamente diferente da Lista da Ceterp, pois era uma lista que atendia inúmeras cidades, algumas distantes da cidade sede. Lá ficamos no Hotel Globo Rio, um hotel menor que o Holiday Inn, mas que tinha acabado de ser inaugurado. Era muito bom também.
Hotel Globo Rio de São José do Rio Preto
O Hotel Globo Rio fica localizado na Rua Bernardino de Campos, bem próximo do centro da cidade, da loja da Telesp e também próximo da Rodovia Washington Luis. Era fácil para qualquer listeiro sair e chegar daquele hotel e foi lá que estreitei minha amizade com a Nair (Naná). Passamos a fazer TJ diariamente. Eu entrava com meu carro movido a gás e ela com sua experiência. Aprendi muito macetes na comercialização das listas telefônicas da Telesp, que embora fosse igual à da Ceterp, o trabalho era totalmente diferente.
Lembro que neste hotel, que acabara de ser inaugurado, o elevador era revestido de aço inoxidável, e o mesmo estava impecável quando o grupo chegou, mas não demorou nem uma semana para todos serem chamados no atendimento para ouvir um daqueles sermões de doer até na alma. Imaginem a cena, o salão de atendimento lotado, com mais de 50 vendedores espremidos, pois o espaço não era tão grande e na frente os supervisores, gerentes e um só motivo: quem havia riscado o elevador? Lógico que o culpado até hoje não apareceu, mas a represália veio. A LTN teve que pagar pelo polimento do elevador, e os supervisores ficaram na marcação dos vendedores em relação aos TJs. Se fossem pegos, perderiam o prêmio da semana, recebiam carta de advertência e estavam sujeitos a serem demitidos por justa causa.
Para saber se o vendedor estava trabalhando acompanhado, os supervisores se revezavam em fazer tocaia nas entradas da cidade. Ficavam sob a ponte da Washington Luis, onde obrigatoriamente teriam que passar os vendedores que fossem trabalhar na região de José Bonifácio, Catanduva, Barretos ou na entrada da Avenida Bady Bastis para aguardar a chegada dos vendedores que fossem trabalhar na região de Mirassol, Fernandópolis, Santa Fé. Era uma operação de guerrilha, terror completo. Se alguém fosse pego, além das punições citadas, tinha a mais grave que era perder a gasolina. Era aí que o bicho pegava.

Vou recordar de um drama que todo mundo vivia. Voltar para casa nos finais de semana. Era difícil, pois quase sempre estávamos sem dinheiro e as outras dificuldades que cada um passava. Como todos se lembram, o atendimento era individual e o atendimento das sextas feiras era o pior de todos, pois era somente após o representante ser liberado é que ele iniciava a viagem para sua cidade e para isso ser possível durante a semana era um tal de guardar gasolina para ser usada na viagem.
Apesar das dificuldades, havia muita solidariedade entre os vendedores, pois as sextas feiras saiam alguns em comitiva outros sozinhos e seguiam para seus destinos. Recordo que certa feita, trabalhando na região de Presidente Prudente, eu e o Silva, um vendedor de Ribeirão Preto, saímos de viagem por volta de 18 horas e chegamos em Ribeirão por volta de 01 hora da madrugada e eu as 02 horas da madrugada em Descalvado, para no domingo à tarde repetir o mesmo itinerário de volta. Era muito risco que se corria, considerando o estado das estradas e dos carros da época. Daí a necessidade de poupar gasolina.
Guardar gasolina era o grande segredo de voltar para casa 
O êxodo dos hotéis nos finais de semana era quase total. Ficavam apenas alguns que por falta de dinheiro não tinham como retornar para suas casas, mas sempre nas segundas feiras tinha uma história nova para justificar um atraso. Meu carro quebrou, dizia um vendedor que chegou atrasado e a resposta clássica do Manoel, mas você é mecânico? Ou então, tive que levar meu filho no médico e a resposta também irônica, mas você é médico? Não tinha moleza, pisou na bola, lá vinha o troco. Numa viagem num final de semana, o Cavalcanti voltava de São Paulo, quando ao passar pelo pedágio de Cravinhos, já chegando em Ribeirão Preto, ele perdeu o controle do veículo de bateu num barranco. Ele teve ferimentos leves e tinham alguns vendedores com ele nesta viagem que tiveram algumas escoriações. Era sempre um grande risco estas viagens, mas mesmo assim, toda sexta feira, a debandada acontecia.
Uma ocasião tinha ido para minha casa e para retornar à Araçatuba, sai de São Carlos por volta das 22:00 hs. Naquele tempo as estradas nem de longe eram iguais as atuais e estava já chegando na região de Penápolis, creio que por volta de 1:00 hs, quando vejo no meio da pista uma boiada inteira deitada no leito da pista. Freio para que te quero, o carrinho até entortou tal a pressão que eu fazia para o mesmo parar e consegui faze-lo a menos de 5 metros do primeiro boi que estava deitado no caminho. Buzinando e com muita paciência, passei ileso e terminei a viagem. Foi um dos maiores sustos que levei em viagens.
O sonho de todo listeiro: O selinho da Facchini
O grande prêmio da campanha de São Jose do Rio Preto era o selinho, um tipo de publicidade que saia em todas as páginas da lista de assinantes e endereços e está ficha era da Empresa Fachini, fabricante de carrocerias de caminhões, localizada na cidade de Votuporanga e todo mundo queria ter esta ficha na sua linha, tanto que ela ficava de posse dos supervisores chefes e era renovação certa e dava uma ótima comissão para quem a pegasse. Naquele ano, ela foi atribuída por sorteio entre os melhores percentuais e resolvida, mas nem cheguei perto de participar. Era duro competir com os veteranos faixas A.
Mas a região também tem boas recordações de outros vendedores, que se fossemos enumera-las aqui daria para escrever um livro somente com as histórias de Rio Preto, mas tem uma que acabou em casamento. Eu estava com uma ficha de uma clínica médica que ficava próxima a Santa Casa de São José do Rio Preto e na ocasião, enquanto aguardava minha vez de ser atendido fiquei conversando com a secretária da clínica e por coincidência, era aniversário dela naquele dia. Oba! Vai ter festa, perguntei? Vai nada, apenas um bolinho, mas se quiser aparecer por lá, será bem-vindo. O convite fora feito por educação, mas entendi de outra forma e pedi o endereço, que prontamente ela me forneceu. Era na Vila Toninho, bem distante do Hotel Globo Rio, onde estávamos hospedados. Em seguida, fui atendido pelo médico que era o proprietário da clínica e ele fez a renovação da publicidade e quando sai da sala do médico, fui me despedir da secretária, e ela disse que esperava a noite para comer o bolo. Disse que iria e que levaria um amigo. Tudo bem, ela disse. Então até a noite, respondi e sai para fazer o meu trabalho e esqueci o assunto. À tarde, no atendimento, comentei o fato com o Jocafe e como não tínhamos nada para fazer, resolvemos ir no tal aniversário. Era um lugar bem difícil de chegar, pois ficava numa rua pequena, num canto da Vila Toninho, que na época ainda estava em formação.
Hoje aquele bairro é praticamente uma cidade, mas na época, a maioria das ruas nem asfalto tinha, mas acabamos chegando no nosso destino. Lembro que era uma casa modesta. Paramos em frente à casa, batemos palmas para sermos atendido. Quem veio nos atender foi um senhor que depois de nos apresentar, disse que era pai da aniversariante e que ela estava tomando banho, mas que podíamos entrar. Entramos, tímidos, e sentamos no sofá da sala. Apareceram mais umas pessoas para nos cumprimentar e alguns minutos depois, a aniversariante. Que legal que você veio! Trouxe um amigo? Apresentei o Jocafe a ela e foi amor à primeira vista. Deste dia em diante, o Jocafe continuou a se encontrar com esta garota e estes encontros resultou em um relacionamento sério. O Jocafe se desligou da empresa e soube tempos depois que ele havia se casado com ela.
 
Era uma mala bem grande
Tem uma outra história engraçada que aconteceu com o Manoel, que na época ainda era vendedor. Ele adquiriu para trabalhar uma pasta enorme, feia, segundo ele, um modelo usado por vendedores que trabalhavam porta a porta, levando produtos. Não era a pasta ideal para trabalhar em agenciamento de publicidade, mas vejam o que o Manoel conta:
“Fiquei na cidade o fim de semana e aproveitei o sábado para visitar uns clientes novos (com minha bolsa). Peguei uma ficha e fui visitar em um bairro, chegando lá era uma residência (as vezes recebíamos fichas com telefones comerciais instalados em residências), bati palmas para confirmar se era residência mesmo, apareceu uma negona lá no fundo e eu gritei lá do portão o proprietário está? …ela viu minha bolsa e gritou para patroa dela: Dona Maria tem um MASCATE lá no portão querendo vender alguma coisa…para vocês verem como era esquisita minha pasta (bolsa)


Estava na hora de partir para Araçatuba e depois Presidente Prudente, cada vez mais longe de casa. Mas era o nosso trabalho e tínhamos que seguir em frente, mas isto é assunto para o próximo capitulo.

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